Bruce Dickinson eleva a temperatura da capital fluminense a 666 graus

Bruce Dickinson é o tipo de artista que pode fixar residência no Brasil – e em outros países, também, diga-se de passagem – e vai lotar todos os shows que vier a fazer. É um fenômeno raro; bastante atípico, na verdade, mas que fora conquistado com muito trabalho, suor, grandes canções e infinitas proclamações do bordão “scream for me” e o nome da cidade e ou país em que está mostrando sua arte.

Seja em carreira solo ou com o Iron Maiden, a catarse, a devoção e a entrega dos fãs ao cantor e a sua arte estão sempre em pé de igualdade, jamais convergem em atrito. Em certos momentos se assemelha a um ritual de fé e de entrega a uma divindade sagrada como foi visto nesta terça-feira, dia 30 de abril, no Qualistage, Rio de Janeiro, quando Bruce Dickinson elevou a temperatura da capital fluminense a 666 graus Celsius, em divulgação ao álbum The Mandrake Project.

Noturnall

Antes da atração principal, o grupo paulistano Noturnall tratou de fazer a honraria de iniciar os trabalhos da noite com seu metal que ora pende para o speed, ora para o prog e, até mesmo, para sotaques industriais. Apesar dos problemas técnicos como falhas no microfone do frontman Thiago Bianchi e um incômodo clima de improviso em todo set, a banda arrancou aplausos e apoio do público em um repertório de cerca de quarenta e cinco minutos.

O calcanhar de Aquiles do Noturnall ainda reside nas constantes trocas de integrantes, a manutenção de um mesmo line-up poderia amadurecer as performances e dar um ar de unidade ao conjunto, o que seria benéfico a todos: banda e fãs.

Foto: Livia Teles

Bruce Dickinson – Scream for me Rio

Enquanto a equipe técnica dava os últimos retoques no palco para a entrada de Bruce Dickinson, a casa de show chegava perto da lotação máxima e o calor se tornava insuportável, arrebatando até o mais tr00 guerreiro do metal.

A portaria 35, de novembro do ano passado, publicada pela Secretaria Nacional do Consumidor, que obriga as produtoras de eventos e shows a garantir acesso gratuito a água potável, estava vigente, mas em proporção inferior à demanda do público. Portanto, o esquema foi se hidratar como fora possível, visto que a temperatura atingiria o nível de ebulição assim que o Air-Raid Siren desse as caras no palco.

Dito e feito! Quando os acordes de Accident of Birth ecoaram pela casa de espetáculo, a quentura fora intensificada a níveis solares, além disso, se alinhou à pura energia emanada pelas milhares de vozes que cantavam cada verso e refrão do hit noventista. E para manter a bola no alto, Dickinson emendou a pesada Abduction e a irônica Laughing in the Hiding Bush, que foram muito bem recebidas pela plateia que não parava de gritar pelo nome do cantor.

Foto: Livia Teles

Habilidoso na intrincada arte de comunicar, Bruce se dirigiu aos fãs, deu as boas-vindas e convidou a todos para uma viagem ao seu novo disco, o já citado The Mandrake Project. A primeira representante do álbum fora Afterglow of Ragnarok, que recebeu ainda mais potência e vigor na versão ao vivo.

Em perfeita sintonia com o teor musical apresentado por Dickinson e banda – a saber: Philip Naslund (guitarra), Chris Declerq (guitarra) Tanya O’Callaghan (baixo), Dave Moreno (bateria) e Mistheria (teclado), as imagens exibidas no telão completavam a experiência imersiva na arte do britânico. A contemplativa Chemical Wedding, por exemplo, se beneficiou muito de tal dinâmica, o que lhe rendeu ainda mais profundidade artística.

Many Doors to Hell não economizou na crítica aos fundamentalistas religiosos e chegou a evocar superficialmente nas imagens do telão os horrores da inquisição. A mística Gates of Urizen caiu nas graças dos fãs, no entanto, as pesos-pesadas Trumpets of Jericho e King in Crimson certamente causariam ainda mais frenesi no incansável público.

As novatas Resurrection Men e Rain on the Graves não enfrentaram nenhum tipo de adversidade e hesitação para se imporem frente ao repertório considerado clássico, isto é, defenderam com unhas e dentes o repertório de The Mandrake Project.

Foto: Livia Teles

Frankenstein, cover de The Edgar Winter Group, foi o momento de psicodelismo e experimentalismo da noite, em que cada integrante mostrou seus dotes técnicos nos respectivos instrumentos. Já o Air-Raid Siren atacou de percussionista e improvisou ruídos, digamos, pitorescos de um teremim. Para quem foi criado ao som de rock progressivo setentista, Bruce apenas mergulhou no baú de suas lembranças musicais juvenis e as mostrou aos cariocas.

The Alchemist manteve a pegada etérea e lisérgica, contudo, colaborou pouco para o saldo positivo da noite. A temperatura voltou ao ponto fervura com a execução do hit Tears of the Dragon. Em certos momentos, o poderio sonoro dos fãs excedia as ondas sonoras vindas dos PA’s e era impossível, pasmem, ouvir a voz de Dickinson. Sem dúvida, um dos momentos de mais euforia e êxtase do show.

Darkside of Aquarius é o tipo de música que coloca lenha no fogueira, ou seja, se o clima já está derretendo cada gota de energia dos fãs, ela chega para transformar tudo em um grande maravilhoso pandemônio sonoro, o que fora deveras prazeroso de prestigiar.

O bis chegou com a trinca cativante formada pela balada folk metal Jerusalem, a arrasa-quarteirão Book of Thel e a imponente The Tower. Em pouco mais de noventa minutos de apresentação, Bruce Dickinson tirou um atraso de mais de duas décadas sem visitar os fãs cariocas com sua carreira solo.

Apesar do calor implacável, o concerto foi certeiro em todos os sentidos: som, performance, disposição do repertório, produção de palco e sinergia entre plateia e artista. A torcida é que não tenhamos que esperar mais vinte e tantos anos para um novo encontro com a carreira solo de Dickinson.

Foto: Livia Teles
Foto: Livia Teles

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