Certa vez, o escritor Nelson Rodrigues, ao criar o termo “complexo de vira-lata”, disse: “O brasileiro é um narciso as avessas, que cospe na própria imagem”. O contexto o qual Rodrigues escreveu tais linhas fora relacionado ao futebol, copa do mundo e patriotismo; mas, sem dúvida, pode extrapolar os limites do esporte e do nacionalismo, e chegar, por exemplo, à música.
Naturalmente, o heavy metal brasileiro está coalhado de amostras do narcisismo as avessas, e um desses exemplos ganhou vida recentemente com o anúncio do projeto Shamangra. Como um baile da saudade, a ideia em torno da proposta é reunir ex-músicos do Angra e Shaman para relembrar hits dos grupos, levantar um trocado e, de quebra, saciar a carência de um público saudosista.
Tristemente, projetos, como o citado anteriormente, maculam o sucesso, o legado e a importância pretérita de tais bandas. Por mais que o Angra esteja atualmente em um estado vegetativo e respirando com ajuda de aparelhos e o Shaman já esteja enterrado a sete palmos do chão, criar um megazord como o tal Shamangra é uma clara confissão de que a carreira chegou ao fundo do poço e que não há perspectivas para novos e maiores voos.
Nos últimos anos praticamente tudo relacionado ao Angra e Shaman, bem como aos músicos que orbitam no sistema destes dois astros, vem embalado por algum tipo de constrangimento e contenda. É uma pena que músicos tecnicamente gabaritados tenham tão pouca estamina para criar novas e caprichadas músicas e álbuns; e o pior, cismam em usar os êxitos passados como boias para não naufragarem no mercado musical.
Shamangra é mais um empreendimento criado pela turma do clube do fim! É um projeto que vai satisfazer os anseios e necessidades dos envolvidos, no entanto, a um custo exorbitante aos credores da iniciativa, que são os poucos períodos de sucesso de Angra e Shaman. Mas como disse Nelson Rodrigues: “brasileiro é um narciso as avessas, que cospe na própria imagem”.