Quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022: Rússia invade a Ucrânia.
Talvez esse tenha sido o parágrafo de introdução mais estranho já escrito em uma resenha musical, mas ele certamente diz tudo que se precisa dizer, embebido em uma lúgubre autossuficiência. Ao passo que a banda sueca Sabaton não tenha sido inspirada pelos tristes acontecimentos recentes, o timing não poderia ser mais assustadoramente adequado para o lançamento de um álbum cujo título proclama “a guerra para acabar com todas as guerras”, que expõe toda a ironia por trás desse infame cognome atribuído à Primeira Guerra Mundial.
Voltando o foco ao campo musical, o Sabaton escolheu, pela primeira vez, repetir a temática de seu álbum anterior (The Great War, 2019), também centrado na primeira grande guerra. Embora o senso de continuidade se faça presente, há uma forte identidade própria no recém-lançado The War to End All Wars que atua em sentido de contraposição ao álbum anterior, como se fossem dois lados de uma mesma moeda: se o anterior é pomposo, acalorado e transmite heroísmo, o atual é carregado, soturno e transmite a catástrofe. Se o anterior caminha entre o começo e o meio da batalha, o atual caminha dali até o seu final e encara suas consequências.
Até a arte visual referencia os opostos: se a capa do anterior mostra o soldado em pânico em um cenário que alude ao movimento frenético da batalha, a capa do atual mostra o soldado já morto, cercado apenas pelos corvos e pelos jornais que ironicamente anunciam o fim da guerra, em um cenário de tons fúnebres que aludem à desolação.
Tal justaposição é essencial para que se compreenda a coesão do novo álbum dos suecos, seu registro mais sóbrio, raivoso, pesado e melancólico em algum tempo, ainda que seja bombástico como deve ser. Há menos influência do hard rock de arena e há destaques certeiros, tanto nos torpedos acelerados como Stormtroopers e Hellfighters, que chegam a remeter às fases mais antigas da carreira, quanto em faixas cadenciadas como Dreadnought, Soldier of Heaven e Race to the Sea.
Então, vem o fechamento de ouro com Versailles. Diferente de uma canção comum, a faixa apresenta um discurso que narra o fim da guerra e suas consequências, alternando com um refrão alegre que simboliza a euforia e a leveza da paz. Porém, quando o ouvinte sente que vai acabar de forma previsível, a melodia do refrão é radicalmente recriada em um tom apocalíptico, que retumba enquanto a letra questiona com voracidade sarcástica a ideia de “uma guerra para acabar com todas as guerras”. Naquilo que pode ser apontado como o melhor momento do álbum, a banda, conhecida por suas composições simples e diretas, finaliza deixando a impressão de que a simplicidade também pode ser brilhante, e passa sua mensagem sempre urgente de que já houve guerras demais no planeta.
O Sabaton não lançou seu disco por conta da guerra na Ucrânia, entretanto, se já teria presença garantida nas listas de melhores do ano, a obra ganha contornos ainda maiores com o timing perfeito. Enquanto a história lamentavelmente se repete em um ciclo ferino de autoindulgência, a banda reflete em Versailles: “A guerra nunca irá morrer por completo. Ela vai evoluir, ela vai mudar. E a guerra irá voltar. Mais cedo ou mais tarde”.
Track listing de The War To End All Wars:
1 – Sarajevo
2 – Stormtroopers
3 – Dreadnought
4 – The Unkillable Soldier
5 – Soldier Of Heaven
6 – Hellfighters
7 – Race to the Sea
8 – Lady of the Dark
9 – The Valley of Death
10 – Christmas Truce
11 – Versailles
Nota: 10
Informações:
www.sabaton.net
www.facebook.com/sabaton
www.nuclearblast.de/sabaton