Que show! Essas duas simples palavrinhas já seriam suficientes para resumir ao leitor como fora o show apresentado ontem, 24, na capital fluminense, do gênio criativo do Pink Floyd, Roger Waters. Tudo bem! Ainda que bastasse, tampouco seria justo com a impecável apresentação, os fãs e, lógico, com o próprio Roger Waters, visto que o músico foi de uma entrega, devoção e amor ao seu público que merece, lógico, ser registrado, pelo menos, em breves e singelas palavras.
Com uma banda afiada – a saber: Dave Kilminster (guitarra, violão); Jonathan Wilson (guitarra, violão); Bo Koster (teclado); Jon Carin (teclado); Ian Ritchie (saxofone); Joey Waronker (bateria); Jess Wolfe (backing vocal); Holly Laessig (backing vocal) e Gus Seyffert (baixo, guitarra) –, Waters conduziu com maestria e elegância o ótimo repertório que incluiu, claro, clássicos imortais do Floyd e temas de seu mais recente álbum de estúdio, Is This the Life We Really Want?.
Speak to Me foi a responsável pela ambientação da plateia ao universo paralelo que Roger fez questão que todos embarcassem, seguindo para o êxtase embriagante proposto pela deslumbrante Breathe. E por falar em êxtase, a instrumental lisérgica One of These Days fez os olhos dos fãs brilharem como estrelas enquanto fintavam cada centímetro das ácidas imagens projetadas no imenso telão.
Os cariocas transbordaram em emoção e júbilo sob a indefectível introdução, melodias, versos e refrãos da magistral Time, sendo, sem dúvida, um dos destaques da noite. Sem respiro e também transpirando um quê emotivo e fineza raros de se ver, The Great Gig in the Sky mostrou o quão privilegiado é o gogó das backing vocals Jess Wolfe e Holly Laessig, o que garantiu, sem dúvida, a aprovação dos fãs.
Goste ou não; concorde ou não, o ponto que o Pink Floyd sempre fora uma banda que expôs suas ideias contra os sistemas instituídos por governos autoritários, arbitrários e ditatoriais. Embalado por uma música que prima pelo extremo bom gosto, o grupo invariavelmente trouxe discussão e holofote a temas de difícil digestão para muitas pessoas, e bons exemplos que embasa a afirmação anterior são obras do quilate de Animals, de 1977, e The Wall, de 1979.
Dito isso, não é de nenhuma estranheza, tampouco insólito que as apresentações de Roger Waters sejam um ato e uma voz de resistência a sistemas opressores. E fora com os incessantes gritos de #elenão do público que as cáusticas, irônicas e pertinentes manifestações de Waters foram perpetradas e potencializadas pela plateia por toda a apresentação.
Escrita em meados dos anos 70, Welcome to the Machine rememorou o icônico álbum Wish You Were Here e numa profecia espantosa e aterradora versou sobre os dias atuais, onde as máquinas dominam a sociedade. Aliás, a canção homônima do citado disco provou o porquê do álbum figurar na lista dos preferidos dos fãs, já que a música é irmã gêmea de atributos como requinte e beleza.
Como comentado anteriormente, o mais recente disco de estúdio de Roger, Is This the Life We Really Want?, teve seu momento de protagonismo e mostrou que o músico não se apoia tão somente aos louros do passado, já que canções como Déjà Vu, The Last Refugee, Smell the Roses e Picture That representaram bem o álbum e foram recebidas de bom grado pelos cariocas.
Em Another Brick In The Wall (Part II), Mr. Waters convidou o coral EducaGente, que é formado por crianças e adolescentes moradores de comunidades cariocas. Vale rememorar aos mais esquecidinhos que a música aborda a doutrinação do pensamento das crianças e jovens, que são censuradas pelo sistema educacional arbitrário e os frustram de pensar de forma livre e crítica.
Dividida em duas etapas, o show teve uma pausa de vinte minutos para que a banda recompusesse o fôlego e viesse ainda mais arrasadora e recheada de clássicos. Na volta ao palco, a capacidade emocionar e conduzir o público a um estado de alegria, felicidade, deleite e tantos outros predicados de teor edificador veio, por exemplo, na trinca Dogs, Us and Them e Brain Damage.
O cinismo e crítica são as especialidades de Pigs (Three Different Ones) e Money. O final, infelizmente, começou a se manifestar nos acordes de Eclipse, entretanto houve tempo para a execução sublime de Mother e uma performance primorosa e irrepreensível da bela e encantadora Comfortably Numb.
Com quase três horas de apresentação, que fora adornada por uma produção de palco estupenda, o gênio Roger Waters não se acovardou pela incessante chuva fria e encantou pelo óbvio: sua capacidade musical acima da média. Além disso, Waters cativou por sua postura humana e carinhosa e apreço pelo próximo, uma vez que tais características são, infelizmente, uma raridade nos dias atuais. Ah, que show!