Ter uma marca de 40 anos na área de entretenimento, em específico na seara musical, não é para qualquer um, não. Dezenas de aventureiros tentaram, ficaram pelo caminho, macularam as suas respectivas marcas e entregaram pouco – quiçá nada – em relação ao que fora prometido ao público. A nossa prata da casa, o Rock in Rio, vem traçando a sua jornada no caminho oposto, pois se edifica em bases sólidas em entregar ao público pagante um produto essencialmente caprichado.
Ao longo das edições, o festival brasileiro vem se sofisticando e cortando arestas aqui e acolá para que os fãs da marca e das bandas tenham boas experiências e, consequentemente, doces recordações. O ápice, pelo menos sob o ponto de vista da vivência e ativações, rolou nesta edição de 2024, com dezenas de marcas interagindo e provando os seus respectivos valores às pessoas.
Rock in Rio e o Rock, é namoro ou amizade?
Antes de mergulharmos no que aconteceu de bom e ruim no Dia do Rock da edição 2024, que rolou neste último domingo, dia 15 de setembro, vamos voltar brevemente no tempo para nos darmos conta do quanto o festival se beneficiou do rock e metal.
Em 1985, o RIR se alicerçou, pelo menos no âmbito artístico, na música pesada. Dessa forma, e com todo o respeito aos grupos e artistas nacionais como Blitz e Kid Abelha, por exemplo, o evento certamente não alcançaria tamanha magnitude a qual goza nos dias atuais.
O festival ganhou corpo e alma por conta de nomes do rock e metal tais quais Queen e sua performance arrebatadora como em Love of My Life, Iron Maiden e sua World Slavery Tour, o hard rock açucarado do Scorpions e Whitesnake, o AC/DC ainda gozando da bonança de pérolas como Back in Black (1980)
For Those About to Rock (We Salute You) (1981) e Ozzy Osbourne defendendo o seu forte Bark at the Moon.
Depois da primeira edição, o fest bebeu no sucesso comercial de Guns N’ Roses, Judas Priest, Queensrÿche, Iron Maiden, Metallica e outros. Portanto, o Rock in Rio é um evento que dependeu deliberadamente do rock e metal para se firmar no mercado, sendo assim, tem que pedir benção para tais estilos e tratá-los com reverência, queira ou não.
De volta ao presente, o evento, no entanto, parece ter se esquecido da necessária e já citada consideração, e mal cedeu espaço para as guitarras distorcidas em sua edição de 40 anos, que é tão emblemática e deveria fazer uma ponte direta à primeira festa. Assim, o que poderia ter sido um grande namoro, ficou apenas na amizade.
Dia do Rock
Se faltou os baluartes de outrora, o arrasta-pé do último domingo foi bancado por nomes mais novos do rock, digamos assim. Avenged Sevenfold era o dono do dia, mas recebeu o apoio de nomes veteranos e estreantes no festival como Deep Purple e Journey. Além destes, Evanescence trouxe mais peso ao Palco Mundo, enquanto Barão Vermelho e Os Paralamas do Sucesso recordaram pérolas do rock nacional (veja a resenha das bandas nacionais aqui).
Apesar de protestos e chiliques de alguns emocionados nas redes sociais, os ingressos do Dia do Rock se esgotaram e teve quórum para todos os conjuntos. O Journey foi o responsável por começar as atrações internacionais no Palco Mundo, que não economizou nos sucessos e provou que é um dos principais grupos do AOR.
Infelizmente, o som estava baixo e sem peso. A guitarra de Neal Schon soou magrinha em certos momentos da apresentação e embalada. Ao contrário das críticas, o vocal de Arnel Pineda tem alcance e timbre em sintonia com o estilo proposto pelo grupo. O problema do “garoto” se encontra na seara do carisma, e isso o cidadão tem ou não tem; ou seja, não tem como comprar um pacote de carisma e não há media training que faça tal atributo se desenvolver a contento.
O cara é um bloco de gelo no palco? Não! Porém, ele não consegue se conectar com o público, parece que há uma barreira entre as duas partes – há quem chame este obstáculo de praga rogada pelo ex-cantor da banda, Steve Perry -, mas, mesmo com os percalços, sons como Separate Ways (Worlds Apart), Don’t Stop Believin’ e Any Way You Want It fizeram os tiozões esquecerem a hérnia de disco, artrite e artrose por alguns instantes e se esbaldarem em alguns clássicos do AOR.
Além do repertório recheado de sucessos, o set do Journey fora abrilhantado pela performance do virtuoso baterista Deen Castronovo, que chegou a atacar de cantor em Lights e provou o porquê de ser um dos principais nomes da música pesada.
Do outro lado, no Palco Sunset, Incubus desfilou seu repertório morno e de pouco entusiasmo aos fãs que tiveram a paciência de não dormir com a xaropada de Brandon Boyd e companhia. Incubus vive em um eterno limbo, pois não tem nenhum arroubo criativo para sair das entranhas do quê cult alternativo, tampouco larga o osso e não declara o fim das atividades. Pardon Me e Drive chamaram algumas vozes para o coro, entretanto, não adicionou nada relevante ao festival.
De maneira oposta, Evanescence e a simpática frontwoman Amy Lee foram acolhidos por milhares de vozes e fãs que não piscaram em nenhum segundo a fim de não perder nada do que o quinteto oferecia no palco. O show teve uma breve pane durante o playback de abertura, mas, em poucos minutos, a produção de Lee reparou o dano e fez a festança rolar.
Faixas antigas e novas se entrelaçaram e mostraram que Amy é uma artista completa em cima do palco: talento vocal, carisma, simplicidade e incrível capacidade de interpretação e comunicação são alguns de seus predicados.
Outro destaque do espetáculo dos norte-americanos foi o peso aplicado nas performances de temas como Going Under, Made Of Stone, The Game Is Over, Wasted On You e Bring Me to Life. Para quem imaginava uma banda água com açúcar e indefesa, tomou uma bela de uma invertida.
O Deep Purple chegou com a bagagem de cinquenta anos de bons serviços prestados ao rock n’ roll, portanto, ninguém é mais um garotão no palco, apesar disso, os caras deram conta de Highway Star, Lazy, Space Truckin’, Smoke on the Water e Black Night, além disto, presentearam os fãs com as novatas A Bit on the Side e Lazy Sod.
O teclado Don Airey rivaliza no quesito virtuosidade com o calouro guitarrista Simon McBride. Ian Gillan não se intimida com os seus próprios agudos do passado e oferece o que pode ser ofertado no alto de seus 79 anos.
Criticar a qualidade vocal de Ian do momento presente é cruel e atroz, visto que ele já provou seu valor artístico décadas atrás. Na verdade, Gillan nos faz um favor de ainda se apresentar ao vivo e recordar que hard rock é um estilo vivo e prolifico.
O cabeça de chapa do Dia do Rock, Avenged Sevenfold, trouxe Life Is But A Dream… Tour como mote de seu show, mas com hits de toda carreira a seu dispor para dar uma acalorada no público. Lamentavelmente, o espetáculo começou com som baixo e sem o punch necessário para um headliner. Ao longo da noite, a qualidade sonora foi tomando jeito até chegar a um nível satisfatório aos sentidos.
Para quem pensa que o quinteto ainda está enraizado naquele metalcore adolescente, saiba que os caras mudaram essencialmente o som, uma vez que navegam em um hard n’ heavy bastante encorpado e com nuances progressivas.
Ao vivo, M. Shadows (vocal), Synyster Gates (guitarra), Zacky Vengeance (guitarra), Johnny Christ (baixo) e Brooks Wackerman (bateria) mostram bastante entrosamento e habilidade técnica muito acima da média. A produção de palco dos rapazes é outro diferencial o qual embala muito bem o que é proposto sonoramente.
Estrategicamente alocadas no set, temas à la Afterlife, Hail to the King, Nightmare, Bat Country e So Far Away tiveram um papel de impor doses extras de energia no público. Já The Stage, Nobody, Mattel e Cosmic trouxeram mais profundidade ao concerto.
Em pouco mais de noventa minutos, o Avenged Sevenfold provou que é digno de ser um headliner de um grande festival e que tem estofo musical para segurar a bronca frente aos bastiões de outrora. Com o final da apresentação do Avenged Sevenfold, o Rock in Rio se despediu de sua cota rock n’ roll em 2024.
Como dito anteriormente, para um evento fundamentalmente ancorado no respaldo dos grandes grupos de rock e metal, a edição de 40 anos do fest deixou um quê rançoso pairando no ar pela pouca representação do estilo. Agora, o combo Evanescence, Deep Purple e Avenged Sevenfold fora um acerto da produção, assim como a infraestrutura que se eleva a cada edição.