Brasil é levado a sério? Essa poderia ser a pergunta – ou uma das perguntas – levantadas pelo público brasileiro a respeito de inúmeras vertentes de entretenimento no Brasil, mas não é o objetivo comentar sobre as diversas facetas da arte, sendo assim, o foco será dado apenas no nosso interesse e objeto de debate que é a música.
O Brasil, incluindo suas questões históricas, sempre foi – erroneamente – condicionado a alguma forma de exploração e, até mesmo, boicote.
A arte e a oportunidade de exposição do povo a ela ficam rejeitadas quase ao desconhecimento, muitos foram os artistas nacionais e internacionais limados da história contemporânea do país, pela falta de uma gerência (governo) condizente com a conjuntura e transformações da sociedade moderna.
As bem-aventuranças de alguns artistas internacionais, em terras brasileiras, remetem à década de 70, quando algumas bandas como: Genesis; Rick Wakeman; Alice Cooper Group; Carlos Santana e Jackson Five desbravavam o mercado brasileiro e em meados dos anos 80 com a rápida visita dos britânicos da banda Queen, Van Halen e os mascarados do Kiss.
Infelizmente foram pouquíssimos nomes que passaram pelo país, em uma época que as situações sociais e econômicas eram piores que os dias de hoje.
Rock in Rio – Mais que uma mudança
A primeira edição do festival Rock in Rio caiu como uma luva para as mudanças sociais e econômicas que o Brasil atravessava, e com as tais mudanças, o país teve oportunidade de dar os primeiros passos a favor do desenvolvimento cultural.
A realização do festival, que contava com as principais estrelas da música nacional e internacional da época, teve sua edição entre os dias 11 e 20 de Janeiro de 1985.
Com uma infra-estrutura inédita para os parâmetros brasileiros, com shoppings, lojas de fast-food e centros médicos, foi, sem dúvida, o pontapé para uma nova era de shows e eventos de grande porte no país.
Em 1991, Roberto Medina promoveu a segunda edição do festival, adaptado para uma versão mais reduzida, mas levantando a mesma bandeira e postura de enfatizar o Brasil no circuito mundial dos principais shows, nomes como: Guns n’ Roses; Queensrÿche; Megadeth; Prince; A-Ha; George Michael e Judas Priest se apresentaram ao lado de consagrados artistas nacionais, dentre eles: Titãs; Capital Inicial; Ed Motta e Elba Ramalho.
Com os novos ventos soprando a favor do Brasil, inúmeros artistas marcaram presença em apresentações individuais ou em grandes festivais, o que enfatizava que boas doses de cultura era (é) uma das soluções para o desenvolvimento do país.
Brasil ou Europa?
Com o desenvolvimento do mercado brasileiro nos últimos anos, as produções mudaram o formato e as dinâmicas dos shows, e uma das transformações que o público brasileiro logo pôde presenciar, foi uma costumeira configuração europeia/norte americana nos shows – a Pista Vip.
Mas o que é? Como funciona isso? Qual a diferença para ingresso regular? Onera em demasia o preço dos ingressos? Comporta a situação econômica? Como fica o impasse entre produtoras quererem cobrar mais e o público querer pagar de menos? E o agravante da falsificação de documentos estudantis para meia-entrada?
Essas e mais tantas outras questões podem vir à cabeça do brasileiro na hora de assistir a um show, então, vamos tentar esclarecer um pouco essas questões.
A prática de ter um lugar “especial” nos shows começou a pipocar no continente Europeu e na América do Norte há algum tempo, onde são reservados um lugar especial na casa de show, arena ou qualquer que seja o local em que se realizem os concertos.
Mas para ter acesso a essa exclusiva área se faz a necessidade de desembolso de uma maior quantia de dinheiro em relação ao preço praticado nos ingressos regulares, com isso, uma parcela reduzida do público pode ter acesso a tal área, algumas das vezes por espaço físico do local Vip e outras por questões econômico-financeiras.
A frequentadora/fã de shows Maria Cristina Fernandes deixa clara sua posição em relação à Pista Vip: “Não vale à pena! Por que o termo VIP não é verdadeiro, não há regalia alguma, o público Vip paga mais só pra ficar metros mais próximo do artista, essa é a única vantagem. Visto que nas demais questões, a área VIP sofre das mesmas problemáticas que a pista normal.”
É bem claro que os gerentes são vorazes por um grande volume de cifras, afinal, isso é uma exigência e atribuição básica de seu trabalho, mas essa forma de exercer seu trabalho tem gerado um grande desconforto para o bolso do público brasileiro, posto que pagar a quantia de R$ 300,00; R$ 400,00 ou números ainda superiores pode ser fora da realidade econômica de grande parte da sociedade brasileira.
Para o guitarrista brasileiro Leo Mancini (Shaman, Tempestt e Wizards) “… a Pista Vip poderia ser de tamanho muito reduzido e apenas para acomodar os patrocinadores e organizadores dos eventos. Somente os convidados de quem realmente trabalharam para a realização do show. Assim as pessoas ficariam muito próximas da banda e não haveria esse negócio de “quem pagar mais vai na vip “, que é muito constrangedor para um povo que precisa de incentivo e força para viver aqui nesse país”.
A coordenadora do Street Team, Alessandra Koga (equipe Mindflow), expõe sua opinião sobre a Pista Vip: “Desde que foi adotada, a Pista Vip tem levado aos shows pessoas que não iriam por causa da bagunça, tumulto, medo de não conseguir um bom lugar, etc…
Pra quem é muito fã da banda acaba tornando-se a opção mais viável e certa para estar mais perto da banda e curtir o show numa boa. Em contrapartida, você limita esse número de fãs, gerando a insatisfação de quem não pode pagar por isso.
Assim como Leo e Alessandra, o tour manager da banda Mindflow, Rafael Fuzaro, pontua sobre a Pista VIP: “Concordo e discordo. É complicado, pois existem eventos que esse tipo de divisão funciona e em outros não. Acho que se não houvesse a Pista Vip tudo estaria dentro do normal, mas o capital pede para que isso surja como mais um atrativo”.
Ele ainda se posiciona sobre as condições Vip’s no Brasil, enfatizando: “Tudo tem o seu preço, se você quer estar perto de seu ídolo, onde não haja ‘muvuca’, entre outros fatores, com comodidade de poder utilizar de recursos, como ter local para adquirir produtos da banda ou poder consumir o que lá oferece, sem perder tempo, vale à pena”.
O brasileiro sempre levou a merecida fama de ser um dos mais apaixonados e entusiasmados públicos do mundo, o que é uma verdade provada nos inúmeros shows gravados por artistas internacionais, para, posteriormente, mostrarem ao mundo sua popularidade no país, e de quebra mostrar a paixão dos brasileiros pela música e o seu “poderio sonoro”.
E com todo esse sentimento, é fácil deduzir que o público quer assistir todos ou, pelo menos, a grande maioria de shows que rolam pelo país, seja de artistas nacionais ou estrangeiros, mas esbarra nos interesses financeiros das produtoras, ou seja, é uma batalha de titãs entre público e produtoras, com um tentando dar seus “jeitinhos” para assistir os shows e o outro com suas estratégias para anular os tais “jeitinhos”
Jeitinho Brasileiro: “é a forma de se contornar uma situação imposta ou uma dificuldade, não se valendo das formas mais éticas na maioria das vezes”.
Essa é, sim, uma definição simplista, mas que, infelizmente, mostra um pouco das deficiências sociais do país e o ranço de uma cultura ainda individualista que não se importa com o próximo, a não ser que o próximo seja própria pessoa.
E com o tal jeitinho brasileiro, o público consegue driblar a legislação e se apossar de um objeto de grande honra e poder para os estudantes, a carteira estudantil.
A Alessandra Koga argumenta sobre os problemas com a carteira estudantil: “Acho que o problema vem de cima, da falta de fiscalização em cima das carteirinhas, da “máfia” dos ingressos, dos cambistas. É uma bola de neve. Além disso, arrisco a dizer que isso é um problema cultural que dificilmente será solucionado porque infelizmente a maioria do povo dá sempre aquele “jeitinho brasileiro” em conseguir as coisas.”
Rafael Fuzaro também expressa sua opinião sobre o uso das carteiras estudantis no país: “Nesse quesito aponto o dedo para os nossos governantes, que não colocam em 1º plano e educação nesse país. É uma bola de neve, muitas pessoas não têm como adquirir um ingresso de pista Vip ou normal e burlam para esse meio… O valor do ingresso hoje em dia não está ao alcance de todos”.
E aponta uma possível solução para o problema… “Acho que deve haver uma maior avaliação e proporção relacionada ao custo do ingresso e do público que o consome. Acho que existe, sim, um superfaturamento no valor final ao consumidor. Tem que ter uma nova organização para a venda de ingressos de meia-entrada”.
Por conta da defasagem de algumas instituições públicas; a péssima cultura de tentar tirar proveito em determinadas situações e os preços salgados dos ingressos – a entrada Vip, especificamente – as produções/empresários tentam administrar e amenizar os efeitos da falsificação da carteira estudantil, o que acaba onerando todo processo na produção dos concertos, obrigando o repasse ao preço dos ingressos e nos valores das bebidas e comidas nas casas de shows.
Contudo, é uma via onde ninguém cede – ou está propenso a ceder – empresários adotam quantias extraordinárias nos preços dos ingressos, com o agravante de uma pista Vip, que muitas das vezes é sem nexo, visto que o termo Vip está apenas no nome e não há nem um esboço do que o termo representa.
Ficar poucos metros mais perto do artista, enfrentando dificuldades e limitações como banheiros, na maioria das vezes, precários; ausências de postos de saúde; bares com insuficiente capacidade de atendimento e uma segurança despreparada que usa, às vezes, a truculência a forma de trabalho, são pontos que se distanciam substancialmente do ideal de ter um produto/serviço Vip.
No final das Contas
A intenção não é moralizar e tomar bandeira de determinado lado, mas, sim, tentar despertar o senso crítico e o debate sobre o assunto, mostrar que, em certo ponto, o público está com razão e é vítima de abuso, mas, pelo outro, o mesmo pode ser um dos causadores do tal abuso que o assombra.