Pink Floyd: Confira Os Segredos Desvendados Da Obra-Prima, Dark Side Of The Moon

The Dark Side of the Moon (1973), do Pink Floyd, encontra admiradores até hoje, quase 40 anos após seu lançamento. Estima-se que, só na Inglaterra, uma em cada cinco casas tenha esse que ficou conhecido como o “disco do prisma”.

A história da gravação do álbum, que já vendeu mais de 30 milhões de cópias no mundo, está no livro The Dark Side of the Moon – Os Bastidores da Obra-Prima do Pink Floyd, de John Harris (Jorge Zahar). Aqui, separamos trechos do prólogo, com comentários de Roger Waters e David Gilmour, que mostram um pouco da história dessa revolução, pelo menos para o rock’n’roll.

“Não sinto falta de Dave, para ser sincero com você”, disse Roger Waters com a voz pipocando numa linha telefônica transatlântica bastante temperamental. “Nem um pouco. Não acho que temos o suficiente em comum para que valha a pena reacender qualquer coisa entre nós. Mas seria bom se pudéssemos tocar os negócios sem muitos ressentimentos. Quanto menor a animosidade, melhor.”

Ele falava dos estúdios Compass Point, o suntuoso centro de gravações nas Bahamas. Waters estava ali para dar a palavra final sobre uma invenção com a qual aquela geração de músicos começava a se familiarizar: o remix 5.1 com som surround, uma daquelas inovações que fazem com que a indústria musical convença milhões de pessoas a comprar de novo os álbuns que já possuem.

As façanhas comerciais de Dark Side of the Moon ainda eram espantosas. Nas três décadas que sucederam seu lançamento, o disco teve cerca de 30 milhões de unidades vendidas no mundo todo. Em sua primeira incursão nas listas de álbuns mais vendidos dos Estados Unidos, permaneceu por nada mais que 724 semanas.

No país natal da banda, estimava-se que uma em cada cinco casas possuía o álbum. Num contexto global, como a revista britânica Q declarou, com tantas cópias vendidas, é “virtualmente impossível que se passe um minuto sem que The Dark Side of the Moon toque em algum lugar do planeta”.

Naquela tarde no Compass Point, Waters dedicou algumas horas a refletir sobre a criação do álbum e sua persistência, aparentemente eterna. “Suspeito de que parte da razão pela qual o disco ainda está aí sejam as sucessivas gerações de adolescentes que parecem querer sair e comprar The Dark Side of the Moon enquanto seus hormônios principiam a ferver nas veias, e eles começam a se rebelar contra o status quo”, disse Waters.

Como explicou, Dark Side apresentava temas universais, como morte, insanidade, opulência, pobreza, guerra e paz… O que amarrava tudo isso, diz Waters, era a ideia de que a disfunção, a loucura e os conflitos poderiam ser reduzidos quando as pessoas redescobriam a única característica fundamental que tinham em comum: “O potencial que os seres humanos possuem para reconhecer a humanidade do outro, e sua resposta a isso, com empatia, e não antipatia”.

Nesse contexto, não havia traço de ironia sobre os termos com que descreveu o lugar do álbum na carreira do Pink Floyd. Na visão de Waters, as já mencionadas estatísticas ocultavam a história faustiana da banda, que com Dark Side finalmente alcançou seus objetivos, mas também deu início ao longo processo de separação.

“Nos apegamos uns aos outros por muitos anos depois, principalmente por medo do que poderia estar além, e também por relutarmos em matar a galinha dos ovos de ouro”, disse ele. “Mas depois do disco nunca mais houve a mesma unidade de propósitos. Trabalhar juntos lentamente se tornou menos agradável e mais um veículo para minhas ideias. Tinha pouco a ver com os outros, até isso se tornar insustentável.”

Nas palavras de Rick Wright, à época em que Dark Side foi composto, “parecia que toda a banda trabalhava unida. Foi um período criativo. Estávamos todos muito abertos”. Depois disso, Waters se tornou tão autoritário que a possibilidade de qualquer esforço conjunto foi se encerrando aos poucos.

Naturalmente, podia-se notar isso na música. A personalidade coletiva da banda em Dark Side é atenuada – qualidade incorporada na delicada combinação vocal de Wright e David Gilmour -, e a maioria dos sentimentos expressos é intencionalmente universal: dentro do mar de pronomes pessoais das letras de Waters, nenhum aparece tanto quanto “você”.

Porém, do álbum Wish You Were Here, de 1975, em diante, Waters repetidamente desafogou as inquietações bem específicas de uma estrela do rock cada vez mais conturbada. Sublinhando a mudança a partir do álbum seguinte do Pink Floyd, o bilioso Animals, de 1977, os vocais de Gilmour foram empurrados para o fundo, enquanto as inconfundíveis lamúrias de Waters se tornaram a assinatura da banda.

Tudo isso chegou a uma conclusão em The Wall, o espetacular ciclo de canções que se tornaram o confessionário e o show de 1979, que, ao menos em termos financeiros, realizou proezas que nem mesmo Dark Side havia alcançado.

Para alguns, o maior feito de Dark Side é “Us and Them”, um lamento pela eterna tendência da raça humana a se dividir em facções opostas. Com o lançamento deste então novo projeto, que Waters ainda acredita estar no mesmo nível dos melhores trabalhos da banda:”Acho The Wall tão bom quanto The Dark Side of the Moon – estes são os dois grandes álbuns que fizemos juntos”, a música do Pink Floyd sugeria o seguinte: Roger Waters versus o resto do mundo.

…E se o modelo de 1973 do Pink Floyd tinha sido um esforço coletivo genuíno, em 1979, Gilmour, Wright e Nick Mason não passavam de meros assistentes (de fato, Wright foi demitido durante as sessões de The Wall). Tudo chegou ao ápice com The Final Cut, de 1983 – segundo os créditos, “Um réquiem para o sonho do pós-guerra, por Roger Waters, executado por Pink Floyd”.

Logo depois, Waters manifestou a opinião de que, em termos criativos, a banda era “uma força esgotada”. Anunciou sua saída e admitiu que a história deles chegara ao fim. Pelo menos um relato desse período afirmava que as palavras de despedida de Waters a seus colegas foram: “Seus merdas – vocês nunca vão se dar bem”.

Para surpresa de Waters – e tendo como horizonte uma grande dose de disputa judicial -, Gilmour finalmente decidiu prolongar a vida da banda, criando seu próprio e genuíno álbum solo, A Momentary Lapse of Reason, de 1987, recrutando em seguida Mason e Wright – este como músico contratado, e não um parceiro em condições de igualdade – para uma turnê mundial que fez o grupo quebrar recordes de receitas.

Em 1994, lançaram o segundo disco pós-Waters, The Division Bell, e deram início a uma imensa turnê mundial parcialmente patrocinada pela Volkswagen. “Não vejo razão para pedirmos desculpas por querer fazer música e ganhar dinheiro”, disse Gilmour. “É o que fazemos. Sempre tivemos a intenção de alcançar o sucesso e tudo aquilo que o acompanha.”

Waters, observando a distância, não conseguia acreditar que o Pink Floyd agora era um grupo que se apresentava ao vivo com uma banda de oito músicos e cujo último álbum incluía canções creditadas a Gilmour e sua esposa, uma jornalista e escritora inglesa chamada Polly Samson…

“Fiquei perturbado e um tanto desiludido porque a massa não conseguiu ver a porra da diferença… Bom, na verdade ela vê. Estou sendo indelicado. Existe um grande número de pessoas que consegue enxergar a diferença, mas havia também outras muitas que não conseguiam. Mas quando o segundo disco saiu… Bom, já tinham se tornado o Spinal Tap (banda imaginária lançada por um falso documentário que levou as pessoas a acreditarem que ela realmente existia e tinha uma história) àquela altura. Letras escritas pela nova esposa… Quero dizer, dá um tempo, porra! Qual é! E que ousadia: chamar aquilo de Pink Floyd. Era um disco horroroso.”

E foi assim que Gilmour e Waters chegaram ao impasse que definiu suas relações no início do século 21. O resultado era bastante claro em 2003, na nova reedição de The Dark Side of the Moon: um disco parcialmente baseado no desejo de ampliar a compreensão humana era promovido por dois homens que não se falavam há pelo menos 15 anos.

Na semana em que Waters chegou a Compass Point, David Gilmour… estava em casa, no condado inglês de Sussex, aparentemente envolvido em negociações a distância com seu velho amigo e colega. “Estamos em contato indireto”, explicou. “James Guthrie, nosso engenheiro de som, está remixando o álbum. Roger ouve o disco, eu ouço o disco, e ambos fazemos nossos comentários; graças a um intermediário, travamos nossas pequenas batalhas sobre como achamos que deve ser. Simplesmente não falo com Roger desde 1987, ou algo assim. Nem ele demonstra que queira falar comigo. Tudo bem.”

Gilmour respondeu a perguntas sobre The Dark Side of the Moon com sua reserva habitual, e tudo o que dizia era muito embalado numa espécie de modéstia planejada. O disco poderia ter figurado na lista dos nove ou dez álbuns que de certa forma vieram a definir o que é o rock (ou talvez o que costumava ser): Highway 61 Revisited, Revolver, Pet Sounds, The Band, Led Zeppelin IV e outros.

Continuava, sem dúvida, a levar milhares de ouvintes ao êxtase absoluto. Mesmo assim, Gilmour ainda parecia surpreso com o que tinha acontecido. Quando perguntavam sobre suas lembranças da primeira audição do disco em sua totalidade, disse: “Não acho que algum de nós tivesse qualquer dúvida de que estávamos na direção desejada e que alcançávamos algo brilhante… Sabia que estávamos subindo um degrau, mas ninguém pôde prever tamanha longevidade e um sucesso comercial dessa natureza”.

Uma vez ou outra, ele se permitia soltar uma gargalhada com relação aos absurdos que acompanham um êxito tão grande. Havia uma gigantesca ironia, por exemplo, no fato de Roger Waters ter planejado que as letras de The Dark Side of the Moon fossem indiscutivelmente diretas e simples, apenas para ver todos os tipos de interpretações errôneas recaírem sobre elas, o que inclui a teoria esdrúxula, em circulação em meados dos anos 90, de que o álbum teria sido criado como trilha sonora secreta para O Mágico de Oz.

“Acho que Roger ficou farto de ver as pessoas interpretando tudo errado”, disse Gilmour. “Naqueles dias ele falava sempre em nos desmistificar. The Dark Side of the Moon foi feito para isso. Para ser simples e direto. Quando as cartas começaram a chegar aos montes, dizendo ‘isso significa determinada coisa e aquilo quer dizer não sei o quê’, foi um deus-nos-acuda. Mas com o passar dos anos você percebe que está preso a isso. E 30 anos depois você tem O Mágico de Oz para lhe surpreender. Alguém me mostrou uma vez como funcionava, ou não funcionava. Como me senti? Exausto.”

Como se tornara obrigatório em suas entrevistas, Gilmour também refletiu sobre a química criativa que certa vez definiu sua relação com Waters e deu ímpeto à criação das melhores músicas do Pink Floyd. “Onde Roger nos faz falta”, disse em 1994, “é no seu empenho, sua capacidade de concentração, no brilho lírico – em muitas coisas. Mas não acho que alguém diria que música fosse o seu forte… Ele não é um grande músico.” Nove anos depois, conservava o mesmo discurso: “Eu tinha uma noção muito maior de musicalidade que ele. Eu certamente conseguia cantar mais afinado [risos]. Então funcionou muito bem”.

Nas Bahamas, Roger Waters havia furiosamente esvaziado tal ideia. “Isto é merda… A ideia, que ele tentou propagar ao longo dos anos, de que seria mais musical que eu é uma besteira sem cabimento…”

Fora isso, para o suposto e continuado aborrecimento de Waters, Gilmour ainda era o detentor efetivo da marca Pink Floyd. A última performance de David Gilmour sob essa bandeira foi em 29 de outubro de 1994, no ambiente carregado de eco do Earl’s Court Arena, em Londres. A apresentação foi construída em torno de uma versão de The Dark Side of the Moon.

Ao falar sobre as possibilidades de novos álbuns ou apresentações do Pink Floyd, Gilmour parecia totalmente descomprometido. “No momento, é algo tão remoto… que realmente não penso no assunto… Prefiro fazer um álbum próprio e seguir adiante com outros projetos, por enquanto. Eu descartaria a possibilidade? Não completamente. A gente nunca sabe onde a vaidade pode nos levar.”

Para realçar a visão de Waters sobre a história da banda, os dois álbuns guiados por Gilmour – e na ausência de Waters – hoje são raramente mencionados. A visão mais comum de seus méritos é que seriam “floydilites”, uma invenção que funcionou muito bem como forma de anunciar mega-turnês milionárias, mas que dificilmente se equipara aos melhores trabalhos da banda. Dito isso, a ideia de que a maior parte do brilhantismo do Pink Floyd residia sobretudo na mente de Roger Waters foi minada por sua inexpressiva carreira solo, que começou em 1984, com The Pros and Cons of Hitchhiking.

O disco com o legado mais difícil de escapar é, sem dúvida, The Dark Side of the Moon – um álbum cuja reputação é enriquecida pela fascinante história de sua criação.

Também não existem muitos exemplos de álbuns definidos por um conceito central que tenham se tornado tão duradouros. O Pink Floyd, para seu reconhecimento eterno, optou por tratar de temas que, por suas características, iriam manter sua longevidade muito depois que o disco foi finalizado – e o elo da banda, desfeito… “Com aquele álbum, o Pink Floyd alcançou seu sonho”, disse Roger Waters, enquanto a ligação telefônica pipocava e ele se preparava para voltar ao novo remix de Dark Side. “De certa forma, chegamos lá.”

Na Inglaterra, David Gilmour deu voz aos mesmos sentimentos. “Depois daquele tipo de sucesso você tem de olhar tudo e considerar o que aquilo significou para você e o que se deve esperar: chega então àquele estranho impasse em que não se tem certeza de mais nada. É fantástico, mas ao mesmo tempo você começa a pensar: ‘Que diabo vamos fazer agora?'”

NOTA: O artigo acima foi publicado pela Rolling Stone Brasil na edição de número #2. A matéria entrou no ar em 16/08/2007.
Fonte: Rolling Stone Brasil

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