Antes de qualquer coisa, um aviso aos navegantes: caso procurem um disco para deixar tocando no celular enquanto fazem a faxina da casa ou dirigem para o trabalho, esqueçam, não é Yesterwynde. O navegante deve dispor de um excelente headphone em volume máximo, acomodar-se em uma poltrona confortável, desligar-se de redes sociais e embarcar nessa experiência imersiva por 70 minutos sem quaisquer distrações, ou é melhor nem perder seu tempo.
O álbum ousa exigir do ouvinte duas virtudes que permeiam as melhores descobertas da vida, mas que, infelizmente, são raridade no mundo atual: atenção e foco. Todavia, se as recomendações forem seguidas, uma jornada cinemática de fortuna inestimável estará por se revelar, ao mesmo tempo sorrateira e opulenta, que inevitavelmente trará o navegante de volta a essas mesmas águas por inúmeras vezes, a fim de absorvê-la a contento.
Inclusive, o navegante corre o sério risco de ser esmagado e afundado na poltrona, pois os coros e sinfonias eruditas não mais complementam o pano de fundo, mas se fundem à perfeição com o som da banda, formando um paredão de proporções wagnerianas.
Contudo, o registro também baliza a evolução e a maturidade de uma banda que sempre foi diversificada, com múltiplas facetas dentro da mesma identidade, e que se tornou muito maior do que o próprio gênero do symphonic metal. Seja o violino conduzindo a melodia ou encaixando um dueto com a guitarra, as passagens brandas e acústicas, as orquestrações massivas, a dramaticidade sombria que eleva a tensão à flor da pele, as construções progressivas, os traços de folk e world music, o bom gosto e a elegância, os épicos e peças memoráveis, as texturas e nuances, a proeza vocal e as notas altas, o heavy metal com ênfase nas guitarras como não se via desde os longínquos tempos de Once (2004), o peso do baixo e do bumbo duplo, está tudo ali. Embora complexo, todas as pontas se amarram em Yesterwynde.
O disco é repleto de grandes destaques, que ganham vida própria após a audição conjunta, como The Children of ‘Ata, An Ocean Of Strange Islands, Spider Silk, The Weave, The Antikythera Mechanism e Something Whispered Follow Me. Já o navegante que busca o symphonic metal simples e grudento vai encontrar em Perfume of the Timeless, enquanto quem busca algo mais exótico vai encontrar em The Day Of e Hiraeth, a única faixa menos relevante do repertório, mas que possui seus momentos. Por fim, quem deseja navegar por águas calmas e melancólicas vai se deleitar com as belíssimas Yesterwynde (introdução), Lanternlight e Sway.
Essa última, aliás, apresenta uma das mais sublimes harmonias acústicas já produzidas pela banda e concretiza aquilo que era, na verdade, o propósito original do então projeto chamado Nightwish: música de acampamento, para se cantar em torno da fogueira, a exemplo das antigas faixas Lappi (1997) e The Islander (2007).
Mesmo em uma empreitada ambiciosa e megalomaníaca como Yesterwynde, momentos reconfortantes como esses são capazes de aquecer a alma. Por outro lado, quem busca músicas infantilóides e mequetrefes como Amaranth (2007) ou mesmo Nemo (2004), é melhor procurar outra banda, pois, graças aos bons ventos, não há espaço para tais coisas no Nightwish atual.
Ademais, não se pode concluir uma resenha de Yesterwynde sem uma menção a vocalista Floor Jansen. A essa altura do campeonato, plenamente consolidada como principal nome do estilo e superstar de classe mundial, Jansen ainda consegue surpreender com um estilo de canto grooveado de versos rápidos, bastante exigente em termos de dicção e pronúncia, em que a melodia deve ser extraída nos detalhes do fraseado. Missão dada é missão cumprida e a vocalista, como sempre, executa a hercúlea tarefa com primazia e pouco esforço, justificando o pedestal em que é comumente colocada.
Embebido em poesia e marcado pela inequívoca sinergia entre elementos distintos, Yesterwynde é uma obra grandiosa, refinada e focada nos detalhes, que reflete aspectos de toda a carreira dos finlandeses de maneira sem precedentes, dos momentos mais doces aos mais apocalípticos, da contemplação ao senso de urgência.
Definitivamente, o álbum prova que não há limites para a jornada que o Nightwish é capaz de proporcionar. Navegantes, preparem suas embarcações.
Tracklist de Yesterwynde:
01. Yesterwynde
02. An Ocean Of Strange Islands
03. The Antikythera Mechanism
04. The Day Of…
05. Perfume Of The Timeless
06. Sway
07. The Children Of ‘Ata
08. Something Whispered Follow Me
09. Spider Silk
10. Hiraeth
11. The Weave
12. Lanternlight
Nota: 10