O senso comum diz que o inferno é o lugar onde só se encontra tristeza e tormento, mas num dia de ares e contornos apocalípticos causados pela intensa chuva que abateu sobre a capital fluminense a melhor pedida era um show, ou melhor, dois shows infernais para conciliar com o clima da cidade. No entanto, se engana que fora tristeza e tormenta a atmosfera predominante com as apresentações das seminais bandas de death metal, Napalm Death e Cannibal Corpse, no Circo Voador, uma vez que a dobradinha avernal fora a razão para a felicidade e júbilo nos rostos dos fãs cariocas.
Seguindo à risca a pontualidade britânica, o Napalm Death subiu ao palco às 21h armado com seu death metal de forte sotaque grindcore e começou seu impiedoso repertório aplicando uma bem-vinda punição aos pecadores de plantão com os versos malévolos de Multinational Corporations e Instinct of Survival, as primeiras representantes de seu debute Scum, de 1987.
De praxe, a energia e alta voltagem são os sinônimos das apresentações do Napalm Death, ou seja, não há trégua, tampouco tempo para qualquer rastro de complacência, com isso, sons como Smash a Single Digit; a claustrofóbica Life?; os impiedosos riffs de Cesspits; a curta e grossa Dead e os covers de Victims of a Bomb Raid, do Anti Cimex, e Nazi Punks Fuck Off, do Dead Kennedys, foram alguns dos responsáveis pelo bem quisto e prazeroso caos sonoro instaurado sob a tenda do circo.
Numa apresentação irretocável e intensa, os incansáveis Mark “Barney” Greenway (vocal); Shane Embury (baixo); Mitch Harris (guitarra) e Danny Herrera (bateria) mostraram o porquê de fazerem parte do grupo de elite da música extrema, e souberam como poucos instaurar uma festa regada à quinta-essência de sua discografia, o que fora amplamente comprovado e legitimado pelo público carioca na noite de ontem (14).
O malévolo e prazeroso ambiente impregnado pelo clima de assassinatos, mutilações, sangue, zumbis e filmes de terror foi edificado nas primeiras notas da verossímil Code of the Slashers, que fora a primeira canção do repertório do Cannibal Corpse, umas das representantes do mais novo álbum de estúdio, Red Before Black (2017). De pronto, vale comentar sobre a técnica apurada de George “Corpsegrinder” Fisher (vocal); Pat O’Brien (guitarra); Rob Barrett (guitarra); Paul Mazurkiewicz (bateria) e Alex Webster (baixo), que cortejou merecido destaque e elogio e propôs a arma letal para o massivo ataque sonoro do grupo norte-americano.
Com o pé cerrado no acelerador e no peso descomunal de incinerantes e cortantes riffs, a banda destilou seu mais puro e impecável death metal em temas como Scourge of Iron; Evisceration Plague; Kill or Become e A Skull Full of Maggots. Se o Cannibal Corpse fazia seu show no palco, os cariocas não fizeram por menos e propuseram uma excelente réplica com urros, punhos cerrados ao ar, colossais e incessantes mosh pits e insanos stage-divings.
Não é surpresa, sequer segredo de que gasolina em contato com fogo resulta numa explosão de proporções catastróficas, e fora de tal forma que o quarteto perverso, feroz e brutal de I Cum Blood, Make Them Suffer, Stripped, Raped And Strangled e Hammer Smashed Face colocaram o ponto final na impiedosa e maravilhosamente maldita apresentação do Cannibal Corpse na capital fluminense.
Do primeiro ao último acorde da noite, o Napalm Death e o Cannibal Corpse, aliados à atmosfera causticante, apocalíptica, destruidora e, lógico, absurdamente prazerosa, estabeleceram no Circo Voador o maravilhoso superávit da demoníaca sexta-feira. Agora, o relógio corre ao encontro de um novo duo deste quilate em terras brasileiras, e que seja com Napalm Death e o Cannibal Corpse, novamente.