Monsters of Rock Brasil comemora bodas de pérola em um casamento de 30 anos com os brasileiros

O pontapé inicial do rock n’ roll foi na década de 1950 nos Estados Unidos. O estilo ganhou mais corpo, sofisticação e certo delineamento erudito quando aportou na Inglaterra. A partir daí, o estilo, bem como os seus rebentos como o heavy metal e hard rock, começou uma dominação mundial sem precedentes a ponto de se tornar o gênero mais popular do globo.

Em nosso país, apesar de tolas manifestações contra aqui e acolá, o estilo encontrou domicílio, onde se mantém como uma potência cultural e mercadológica. A prova cabal disto foi a mais recente edição do Monsters of Rock Brasil, em comemoração aos seus trinta anos de relação com os fãs brasileiros, a qual aconteceu no último sábado, dia 19 de abril, no Allianz Parque, em São Paulo.

Levando ao pé da letra o nome do evento, a produção se incumbiu de colocar no palco alguns dos maiores nomes da música pesada. A seleção que entrou em campo na casa do Palmeiras foi composta por Judas Priest, Scorpions, Europe, Savatage, Queensrÿche, Opeth e Stratovarius.

Obedecendo à risca o combinado com o público, o que é um ótimo sinal de respeito e profissionalismo, o festival iniciou a festa rock n’ roll pontualmente às 11h30 com o power metal dos finlandeses do Stratovarius.

Ser a primeira atração de um evento de grande porte como este é uma tarefa ingrata e difícil, pois o público ainda está chegando e se ambientando com o rolê, então, a atenção da maioria das pessoas não está essencialmente no palco.

Porém, os mais de trinta anos de estrada e o repertório robusto pesaram a favor do Stratovarius, o que garantiu respaldo da galera que já se encontrava no gargarejo. Ainda mostrando muita desenvoltura vocal, Timo Kotipelto esqueceu que é finlandês, isto é, indivíduo de personalidade mais comedida, e conduziu a plateia para uma prazerosa viagem à discografia do grupo.

Com dez canções no repertório, dentre elas Eagleheart, Speed of Light, Paradise, Black Diamond e Hunting High and Low, a banda provou que o power metal europeu ainda tem estamina o suficiente para elevar a temperatura em eventos de grande porte.

Foto: Divulgação Mercury Concerts

Com o sarrafo já no alto, o Opeth deu as caras no palco às 12h55 para mostrar o seu prog metal quase cartesiano. Sabendo que destoava bastante do restante do line-up do fest, o frontman Mikael Åkerfeldt soube quebrar o gelo usando a simplicidade, deboche e a auto depreciação para arrancar risos e criar um elo com o público em geral.

Estratégia esperta, a qual surtiu muito efeito e garantiram certa participação da plateia em temas como Ghost of Perdition, Sorceress e Deliverance. Rápida mudança de palco, o que se seguiu por toda programação e garantiu o cumprimento dos horários dos shows previamente informados aos fãs, o prog metal ainda se manteve na área com o Queensrÿche.

Depois de treze anos longe dos brasileiros, Michael Wilton (guitarra) e Eddie Jackson (baixo) e cia voltaram para limpar o nome da banda, visto que na última apresentação, que aconteceu em 2012, foi um vexame só, com o ex-vocalista Geoff Tate brigando com seus colegas de trabalho em pleno palco.

Portanto, o espetáculo no Monsters of Rock foi como um bem-vindo exorcismo a tal desonra à marca Queensrÿche. E valeu por cada segundo, visto que o quinteto entregou o suprassumo de sua discografia com Queen of the Reich, Operation: Mindcrime, Walk in the Shadows, I Don’t Believe in Love, The Mission, Empire e Eyes of a Stranger.

Todd La Torre é um rouxinol do prog metal; é um cara com gogó privilegiado e boa movimentação no palco. O ponto fraco do concerto ficou na conta do guitarrista Mike Stone, que cometeu vários erros em solos e dobras memoráveis, além disso, sua guitarra ficou inaudível em vários momentos da performance.

Sabemos que o tempo em festival é limitado, mas sacrificar a apresentação de Jet City Woman foi a reclamação comum dentre os fãs da banda. Mas, mesmo assim, o Queensrÿche fez um show muito bom, apagou a péssima lembrança de 2012 e ainda deixou um gosto de quero mais.

O momento bastante esperado do dia chegou: a volta do Savatage aos palcos, depois de anos guardado na geladeira. E não pense que a banda chegou com cheiro e gosto de mofo, pois o esquema foi o oposto, isto é, chegou como uma banda renovada, segura e querendo provar novamente seu valor artístico.

Embora o nervosismo de Zak Stevens (vocal), Chris Caffery (guitarra), Johnny Lee Middleton (baixo), Al Pitrelli (guitarra) e Jeff Plate (bateria) fosse aparente, o concerto foi redondo, com performances individuais impecáveis, som muito bem azeitado e imagens no telão em comum acordo com o teor lírico das canções.

Do primeiro ao último acorde do espetáculo, os fãs participaram e fizeram valer a fama de plateia mais calorosa do mundo, o que deixou o clima leve e prazeroso a todos. Welcome, Sirens, Gutter Ballet e Hall of the Mountain King lavaram a alma de quem esperava por este show desde 1998, quando tocaram no Monsters daquele ano.

Em Edge of Thorns, uma fã claramente desorientada invadiu o palco para atrapalhar o andamento da festa. No entanto, ela logo tomou o cartão vermelho e lhe deram chá de sumiço. Outro ponto que merece destaque, agora em tom positivo, foi a participação de Jon Oliva em Believe. Em comum sintonia com o vídeo do músico no telão, a banda tocou a canção que trouxe um caráter intimista ao evento.

O hard rock sueco chegou com tudo na presença do experiente Europe, que não se intimidou com as atrações anteriores e logo tratou de mostrar as suas garras em hinos oitentistas como Rock the Night, Sign of the Times, Cherokee e The Final Countdown.

Um show do Europe não tem errata, tampouco espaço para desânimo. Joey Tempest é um cantor acima da média e um mestre de cerimônias tarimbado, com experiência para fazer até os mortos dançarem, portanto, a performance do conjunto foi alegre e leve, ou seja, do jeito que tem que ser no hard rock.

Foto: Divulgação Mercury Concerts

Com a chegada da noite, a chuva também quis participar do arrasta-pé, mas não desanimou nenhum guerreiro metal que estava lá para ver Judas Priest, com a sua poderosa Shield Of Pain Tour, que é em promoção ao seu mais recente álbum de estúdio.

O Priest é como um carro à la Maverick e Mustang com o motor V8 envenenado! O que isso quer dizer? O trem é forte e potente como uma locomotiva e tão belo quanto uma pintura de Oscar-Claude Monet.

O Metal God já falou que luta contra certas limitações impostas pela idade, visto que já ostenta setenta e três primaveras, mas, mesmo assim, ele impressiona com a energia em palco e a desenvoltura vocal.

A cozinha continua segura e criativa, o que é cortesia da dupla Scott Travis (bateria) e Ian Hill (baixo). Já as linhas de guitarras seguem incendiárias, principalmente pela presença do virtuoso Richie Faulkner. Andy Sneap, que é o substituto de Glenn Tipton, tem segurança ao vivo e ajuda a manter o motor do Priest quente.

Passeando pelas cinco décadas de heavy metal, o quinteto deixou a vizinhança do Allianz Parque surda com o poderio sonoro das novatas Panic Attack, Crown of Horns e Invincible Shield. Mas o caldo entornou de vez em Rapid Fire, Victim of Changes, You’ve Got Another Thing Comin’, Electric Eye, Painkiller e Hell Bent for Leather.

Apesar de simples, sem os fogos e as labaredas à la KISS e Rammstein, a produção de palco do Priest também merece destaque, já que as imagens no telão acompanhavam as nuances das canções, e o tridente, símbolo da banda, deu um arremate diabólico à noite.

O último ato da maratona musical foi o alemão Scorpions, com o seu hard rock de arena coalhado de hits atemporais. Como uma espécie de purificação final, a chuva fez questão de se fazer presente, mas, no final das contas, mais ajudou do que atrapalhou. Não tinha aquele calor bafo de capeta para drenar as últimas energias da galera.

Coming Home foi o convite para que todo mundo se sentisse em casa, e foi assim mesmo que os fãs se comportaram: livre, leve e solto. Gas in the Tank representou bem o Scorpions atual, todavia, foi em pérolas como The Zoo, Bad Boys Running Wild, Send Me an Angel, Wind of Change, Big City Nights, Still Loving You, Blackout e Rock You Like a Hurricane que o povo cantou alto.

No atual Scorpions, o baterista Mikkey Dee (ex-Motörhead) é o melhor jogador em campo. O cara é uma máquina imparável, o que faz as engrenagens do conjunto rodarem de maneira perfeita. A dupla das seis cordas – Matthias Jabs e Rudolf Schenker – continua disparando riffs e solos aos quatro cantos.

Desta vez, o vocalista Klaus Meine, 76 anos, se mostrou com o semblante mais cansado e menos disposto do que em outras apresentações aqui em nosso país. A movimentação de palco foi lenta, assim como a interação com a galera.

Isto não é essencialmente uma crítica, tampouco uma forma de menosprezar o artista; se trata apenas de uma constatação. Mas, mesmo com estes adendos, os caras fizeram valer cada segundo de sua apresentação.

O Monsters of Rock fez uma grande festa para as celebrações de seus trinta anos no Brasil. É uma marca de origem inglesa, contudo, é aqui em nosso país que ela se sente em casa, à vontade e na presença de grandes amigos, que são os fãs brasileiros. As doze horas de maratona musical deixaram o corpo físico cansado, mas com o corpo astral em júbilo. E que venham mais trinta anos de Monsters of Rock Brasil. E, claro, vida longa aos monstros do rock.

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