Ao pensar nos grandes grupos de rock progressivo automaticamente a memória projeta a imagem de baluartes britânicos dos anos 1970 como: Yes, Emerson Lake & Palmer, Genesis, Pink Floyd e Jethro Tull, onde cada qual dava vida a sua arte partindo de influências diversas como a complexa música clássica, o egocentrismo do Jazz e o despojamento do Blues.
Alguns mais audaciosos que outros iam além, buscando influências nas atividades circenses e teatrais. Mas o que todos, sem exceção, compartilhavam entre si era o bom gosto em criar música, que, hoje, se gabam de ter passado pelo implacável teste do tempo.
Na década seguinte, com o mercado menos receptível ao estilo, poucos foram os nomes em destaque no cenário progressivo, sendo o maior deles o também britânico, Marillion.
Desde seu primeiro registro de estúdio, “Script for a Jester’s Tear”, de 1983, a banda já despontava como uma das maiores promessas do rock progressivo. No final da década de 1980, em uma decisão ousada e precisa, o grupo muda sua voz saindo o cênico Fish entrando o até então desconhecido Steve Hogarth (How We Live e Europeans). O que poderia se transformar em uma tragédia grega acabou saindo melhor que encomenda. Com Steve nos vocais, a banda debutou em grande estilo com o aclamado “Season’s End”, de 1989. De lá para cá o grupo alternou momentos de pura magnificência e outros de gosto duvidosos.
Com turnês por todo mundo, o público brasileiro teve a oportunidade de assisti-los em duas ocasiões: Hollywood Rock (1990) e quando da divulgação do álbum “This Strange Engine”, em 1997. Desde então, os brasileiros amargaram um castigo que só veio ter o seu ponto final nos últimos dias 11 (São Paulo), 13 (Rio de Janeiro) e 14 (Porto Alegre).
A noite na capital fluminense começou com os cariocas do Anxtron e seu progressivo instrumental que se vale das ambientações, o dinamismo das composições e a qualidade individual de seus integrantes. Os caras são audaciosos apostando alto num mercado tão segmentado que é o da música progressiva, com o agravante de não ter um vocalista. Se isso vai virar razão de sucesso ou de uma corda no pescoço só o tempo dirá, mas pelo apresentado até aqui as expectativas são animadoras.
Chegada a hora que todos esperavam, é sob os acordes de “Splintering Heart” que o Marillion quebra o jejum de 15 anos longe dos palcos cariocas. De imediato já dava para se ter ideia de que a noite seria para lá de especial, com um show de ambas as partes: público e banda.
“Slainte Mhath” vem rememorar o álbum Clutching at Straws, tirando o fôlego dos presentes com seu peculiar peso. Com a educação de um lorde inglês e boas doses de bom humor, Steve Hogarth faz as honras da casa, apresentando a próxima canção, “You’re Gone”, que não tem o menor trabalho em manter a excitação do público. “Essa é uma música que lançamos na semana passada ou retrasada, algo assim”, disse o vocalista. “Sounds That Can’t Be Made” é homônima ao novo disco e, mais uma vez, agrada pelas suas nuanças e elegância que é tão peculiar à carreira da banda. A radiofônica “Beautiful” teve cada verso cantado em uníssono, fato que deixou os músicos visivelmente emocionados.
O Marillion é um dos poucos grupos que conseguem caminhar na tênue linha do pop e progressivo, pois agregam à sua música melodias de fácil degustação, regidos por uma qualidade pouco encontrada no mercado. E mesmo temas que requerem certa complexidade conseguem chegar aos ouvidos de uma maneira suave e receptiva, fugindo do malabarismo instrumental que alguns desavisados insistem impor ao público.
“Power” dá contornos ao novo disco e vem provar que criatividade é algo inesgotável em se tratando Marillion. Nessa altura do show Steve Horgarth (vocal), Steve Rothery (guitarra), Mark Kelly (teclados), Pete Trewavas (baixo) e Ian Mosley (bateria) tinham mais do que o controle da apresentação, não precisavam lançar mão dos grandes clássicos, afinal, o público carioca estava mais do que entregue às melodias e canções da banda. Ignorando esse fato, o maior hit dos britânicos, “Kayleigh”, prova que música boa passa pela prova do tempo, e essa música, caro leitor, vai sempre ter lugar cativo na memória do público.
O clima era tão intimista que os músicos pareciam tocar para os amigos mais próximos e acabou proporcionando um dos melhores momentos da noite. Sob os apelos e versos cantados numa só voz, os músicos fogem do protocolo e sacam a não planejada “Lavender”. Desnecessário comentar a reação efusiva do público a cada verso e melodia da canção. Tentaram, por duas vezes, tocar a canção “The Sky Above the Rain”, mas o baixo de Pete e o teclado de Mark não colaboraram, o que acabou rendendo boas risadas por parte da banda e público.
Sem problemas, afinal, a substituta foi um clássico do teor de “The Great Escape”. Ainda teve tempo para “Afraid of Sunlight”, encerrando o set com uma das melhores canções da era Hogarth, “Neverland. Soberbo o poder de interpretação do vocalista.
Sob pedidos incessantes do público, a banda volta para o encore com a complexa “The Invisible Man”. Mais uma vez a platéia presencia rara interpretação de uma banda para com sua obra. “Easter” é mais do que bem recebida, o que é algo corriqueiro em tratando dessa canção. A noite fecha com “Sugar Mice” que ficou irrepreensível na voz de Steve.
Depois de duas horas de show, que passaram como num piscar de olhos, o Marillion entrega ao público carioca um show memorável que fez valer os 15 anos de espera. A banda é uma das últimas representantes do rock progressivo britânico – se não for a única – que mantém uma carreira ativa, celebrando o momento presente com obras tão boas quanto as do passado. Acredite, amigo, isso é para quem pode e não para quem quer. E esses britânicos podem, e muito.
Escrito por: Marcelo Prudente
Fonte: Territorio da Música