Este último domingo (25) ensolarado de inverno foi muito especial para os fãs de heavy metal, principalmente para os que têm mais de 30 anos de idade e são fãs do King Diamond – nome principal anunciado como headliner do Liberation Festival – desde que anunciada, oficialmente, a sua vinda ao Brasil pela imprensa, muitos o aguardavam com imensa ansiedade, além do Rei Diamante, outros nomes como os brasileiros do Test; os alemães do Heaven Shall Burn; os ingleses do Carcass e os americanos do Lamb of God completavam a lineup do festival.
Test, banda formada apenas pelo guitarrista/vocalista João Kombi e pelo baterista Barata, embora já tenham realizado algumas tours nos EUA, se apresentando no Maryland DeathFest e seja conhecida por abrir vários shows de nomes internacionais por aqui mostrando seu Deathgrind coeso, bem executado e com destaque para o baterista Barata. O destaque vai também o vocal do João por ser bem agressivo como pede o estilo e em português, mas o show deles foi algo bem intimista, os dois tocaram posicionados um de frente para o outro, estando de lado para o público e passava uma imagem de como se estivéssemos assistindo a um ensaio deles, pouca comunicação com a plateia, somente em dois momentos.
Primeiro, cumprimentou e se apresentou, já o segundo, ao final do show, agradeceu ao público e a Liberation por sempre incluí-los no cast de suas produções. No geral, o público aplaudiu sempre entre uma música e outra e a banda deixou o palco sendo muito bem ovacionada. O show foi legal, mas mesmo seu grindcore sendo bem cheio de ferocidade, ainda assim faltou passar um pouco mais de energia para o público presente, aproveitar melhor o espaço e a oportunidade que a banda teve de mostrar seu trabalho com um som de qualidade, num palco de destaque ao lado de nomes importantes do metal mundial, cativar mais o público interagindo mais, mas talvez essa seja a proposta da banda, algo mais introspectivo mesmo.
Heaven Shall Burn, com um backdrop gigante destacando seu logo, um som maravilhosamente bem equalizado, bateria com bumbo duplo trigado, o que dava mais intensidade sonora no ataque e precisão totalmente sincronizada com o ‘riferama’ das duas guitarras de sete cordas e com afinação baixa comandadas por Maik Weichert e Alexander Dietz.
O vocalista Marcus Bischof, bem comunicativo, interagiu bem com uma dose de energia fantástica, mostrou uma performance matadora em mais essa passagem por aqui, me conquistaram com seu death metalcore que lembravam em alguns momentos o death metal melódico de Gothemburgo à la In Flames. O show e a performance foram incríveis e serviu para mudar a opinião de muitos fãs radicais que não haviam digerido a inclusão da banda no cast do festival.
Dentre as músicas, fica difícil destacar uma, mas a cada música executada o público ia respondendo com mais calor e isso ficou evidente nas quatro últimas canções: The Weapon They Fear, Combat, Endzeit, Counterweight e fecharam com uma maravilhosa cover para Black Tears, da grandiosa banda sueca de death metal dos anos 90 Edge of Sanity, do Dan Swano, reconhecida por poucos presentes. Que não demorem a voltar ao Brasil.
Chegando a vez do Carcass, um dos maiores ícones do death metal, neste momento a casa já estava em sua completa lotação, visto que todos os shows foram iniciados no horário em que foram divulgados. O público ovacionou bem a entrada do Jeff Walker (vocal e baixo) e Bill Steer (guitarra), Ben (guitarra) e Daniel (bateria), abrilhantados pela iluminação feita pelo carismático ex-baixista do Samael, Chistophe Mermod (Masmsein), passando despercebido no backstage, assim destilaram seu death metal sujo e ao mesmo tempo técnico. Dentre as músicas executadas, o destaque vai para Incarnated Solvent Abuse, No Love Lost, This Mortal Coil, Corporal Jigsore Quandary e a clássica Heartwork. A banda se despediu do público sendo muito bem aplaudida. Foi realmente a banda mais esperada do festival depois do King Diamond.
O Lamb of God, escalado para abrir o show principal, mostrou o porquê tem se destacado bastante com seu metal groovado, em alguns poucos momentos com influências bem claras de Slayer nas guitarras de Mark Morton e Willie Adler, mas só em alguns momentos, que inclusive são os que mais o som da banda se destaca.
O baterista Chris Adler destruía nos bumbos acompanhado do baixista Jhon Campbell, e embora toda a banda não tenha tanto movimento no palco, no máximo em alguns momentos bangeavam, o seu vocalista, Randy Blythe, parecia ligado em 220 volts, pulando muito e indo de um lado para outro do palco durante todo o show vociferando desde screams a guturais. A banda abriu o show com Laid To Rest e Ruin, destaque para 512 onde seus fãs começaram a cantar junto os refrãos e a interação com o Randy foi muito boa, continuaram então com Now You’ve Got Something To Die For, Still Echoes, Walk With Me In Hell, Hourglass, Engage The Fear Machine e Set To Fail.
Randy falava a todo o momento entre uma música e outra com o público, falou como era bom estar no Brasil e agora em São Paulo com HSB, o Carcass e o King Diamond, assim dedicou a música Blacken The Cursen Sun ao King. Na sequência veio a The Faded Line e antes de se despedir, não sei se foi piada estilo americano ou se realmente fez pouco com o público e com o King Diamond, mas perguntou: “Se eles estavam lá para realmente ver o King Diamond”, “se o público acreditava em feitiço, satan e essas besteiras”. Em seguida usou um falsete no estilo King Diamond cantarolando: “Satan come to me”, rindo e repetindo; “Satan”, “Satan”, em falsete enquanto sua banda iniciava Redneck, sua última canção da noite.
Após deixarem o palco, vi alguns poucos, poucos, fãs mais jovens e com a camisa da banda saírem da frente deixando a grade e dando lugar ao público que estava mais atrás. Ouvi alguém comentar: “É neste momento que separa as crianças dos lobos.”
Chegado o momento mais esperado, tenho que dizer que foi um pouco massacrante para os fãs esperarem tanto, saturando o ouvido com grind, death e groove metal ao máximo por quase quatro horas, sem desmerecer nenhuma das bandas ou estilo, mas após o show de quatro bandas tão distintas do estilo do King Diamond, os ouvidos poderiam estar já bem saturados, juntando a uma mega ansiedade e cansaço, no entanto, o que era isso perto do que já havíamos esperado? Afinal, foram 21 anos de espera, uma média de duas gerações (sim teve fã daquela época que já se tornou avô e avó), após seu aclamado show no lendário festival Monsters of Rock ao lado de sua outra banda Mercyful Fate, em 1996.
As 22h18 as cortinas se abriram revelando um cenário grandioso que reproduzia as escadarias da mansão descrita nas letras do álbum Abigail, começou, então, a introdução de Out From The Asylum, do álbum Them (eu fiquei sem entender, não somente eu, mas acredito que muitos que ali estavam esperavam a execução somente do álbum Abigail na íntegra), pois bem, assim a banda adentrou e desceram as escadarias disparando Welcome Home de cara.
O público enlouqueceu, os vocais do Rei estavam perfeitos e fiéis ao disco, sua interação com a grandma (personagem do álbum Them) durante a execução da mesma ajudou a dar todo o clima da história contada no álbum, na sequência executaram a também clássica Sleepless Night, do álbum Conspiracy, muitos já se emocionavam quando após apresentar a banda, que conta com Matt Thopsom (bateria); Pontus Edberg (baixo); Mike Wead (guitarra); Livia (sua esposa no vocal) e, ao apresentar Andy LaRocque (guitarra) seu fiel escudeiro, o público gritou seu nome: “Andy, Andy, Andy!”
Assim, ele iniciou o poderoso riff de Halloween do seu primeiro álbum solo Fatal Portrait, neste momento, confesso que me arrepiei inteiro, o público foi ao delírio, o coração já estava a mil quando King anuncia The Eye Of The Witch, do grandioso álbum The Eye, e, então, não só esse quem vos escreve entrou em delírio, mas todo o público presente cantando junto. Não satisfeito com as surpresas, King inicia Melissa (Mercyful Fate), destaque para a performance da atriz Jodi Cachia (quem também interpreta a Grandma), que com belos efeitos de iluminação e fumaça aliados a sua ótima interpretação, vimos uma bruxa (Melissa) sendo queimada acima da bateria.
Mais uma vez destaco o cenário grandioso que mudava atrás das escadarias, ora com gigantescos backdrops, ora com efeitos de iluminação e projeção, entre corvos espalhados, grades, cruzes de ponta cabeça, pentagrama iluminado e vitrais de igreja. Diamond pergunta se o público veio para o Sabbath, e neste momento inicia a dobradinha Mercyful Fate, Come to the Sabbath, cantada novamente em coro por todo o público presente.
Após uma pequena pausa, acompanhada da faixa Them cai o imenso backdrop nas duas músicas do Mercyful Fate e aparece os vitrais góticos da mansão de Abigail, assim, com a introdução de Funeral, Diamond vem ao “altar” com a adaga e simulando a voz da personagem O Brian, executa Abigail soltando ela no caixão e a banda dispara junto a Arrival. Estava dado o início da viagem através da história macabra de Abigail, este momento não terei como descrever a vocês, já que todo o restante do show fora como se estivéssemos ouvindo o disco, mas recomendo abrirem uma garrafa de vinho tinto, com o encarte do CD ou do vinyl de Abigail, adentrem nessa história, que é narrada por este Rei das 1000 vozes.
Tudo que se seguiu foi uma interação perfeita de um dos vocalistas mais emblemáticos da história do metal, mais humilde, simpático, comunicativo com o público e que se imortalizou após tantas obras fantásticas com histórias no melhor estilo Edgar Allan Poe. Se imortalizou ainda em vida, pois após resistir a um ataque cardíaco, o qual lhe custou três pontes safenas, ele voltou aos palcos com uma qualidade vocal superior, mostrando uma performance belíssima, e assim ele nos brindou com sua única passagem e apresentação pelo Brasil (houve registro de algumas imagens para inclusão no seu DVD Blue Ray, que será lançado em breve).
Impossível destacar uma das músicas do disco Abigail executadas ao vivo, por isso destaco aqui a maravilhosa sonoridade feita pelo Mads Mikkelsen (engenheiro de som do Volbeat), que foi escalado há poucas semanas antes para trabalhar com o King no México e Brasil e que, com maestria, deixou o som perfeito para que ao vivo sentíssemos a mesma atmosfera sonora contida em Abigail e que todos os detalhes pudessem ser ouvidos. Além, claro, destacar a interpretação e performance de King e toda sua banda na execução perfeita das sombrias A Massion in Darkness; The Family Ghost; as macabras The 7th Day Of July Of 1777; Omens; Possession; a clássica Abigail e o grandioso finale com a Black Horseman. Assim, a banda encerrou o show e se despediu do público com o playback emocionante de Insanity, vi muitos em lágrimas neste momento.
Eu diria, para resumir, que foi um espetáculo majestoso, digno de um Rei, uma apresentação que vai ficar para sempre na história e na memória dos que estiveram lá, de todos que vieram de tão longe para prestigiá-lo, pois era notável a grande quantidade de caravanas vindas de vários estados do Brasil. Inclusive, encontrei fãs do México, Colômbia, Argentina e Chile, amigos de Natal, Porto Alegre, Paraná, Brasília e Goiânia.
Parabéns Liberation pelo excelente headliner escolhido e o ótimo cast para o festival, além de toda a qualidade que o envolveu desde a escolha do local, que facilitou muito o acesso do público. O Espaço das Américas é uma das melhores casas de shows da capital paulista, que fica ao lado do Metrô e terminal de ônibus Barra Funda. Quem sabe numa próxima edição teremos um Danzig e Volbeat, fica a dica.