Finlândia: O país mais feliz do mundo é a meca do heavy metal

Para quem acompanha minimamente os noticiários sabe que a República da Finlândia ostenta o título de país mais feliz do mundo de acordo com o Relatório Mundial da Felicidade da ONU, o qual saiu em março de 2024. O relatório considera as avaliações das próprias pessoas sobre sua situação, bem-estar econômico e indicadores sociais.

O senso comum também salienta que o país é extremamente desenvolvido, com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) elevado; além disso, todo mundo sabe que o frio por lá não dá trégua e é implacável com todo mundo.

Contudo, o nosso foco vai além de tais estatísticas e considerações sociais e econômicas, visto que queremos tratar essencialmente da questão cultural do país, especialmente os nossos amados rock n’ roll e heavy metal.

Todo fã de música pesada sabe que a nação é um oasis para quem curte memoráveis riffs e solos de guitarra, vocais caprichados e muito peso no setor percussivo. Então, para compreendermos mais a íntima e mística relação entre o rock/metal e a Finlândia, pedimos ao nosso amigo e colaborador, Ciro Santos, que testemunhou in loco a cena musical do país, para nos relatar as suas experiências e vivências na terra do Sol da meia-noite.

Confira abaixo:

Para decepção dos headbangers mais fantasiosos, a capital Helsinki não gira em torno do heavy metal e não é pintada de preto com caveiras penduradas nos postes. É uma cidade tipicamente europeia, sem o caos gritante de uma Paris, Berlim ou Roma.

Mas existe, sim, uma cena vibrante, com inúmeros bares de rock (que também tocam metal) e alguns bares típicos de metal. Um dos maiores destaques é o The Riff, propriedade do líder da banda The 69 Eyes, onde os caras do Children of Bodom possuíam uma área vip exclusiva. No bar Bäkkäri é possível pedir os drinks favoritos dos músicos que frequentam o local, como o vinho com vodka de Tuomas Holopainen (Nightwish). Afinal, quando estão na cidade, os músicos de renome mundial frequentam os mesmos bares que os fãs, fazendo parte real da cena, de forma orgânica.

Foto: Ciro Santos
Foto: Ciro Santos

Todos esses bares possuem espaço para shows de bandas iniciantes, mas Helsinki também tem clubes icônicos na história do metal, como o Tavastia e o Nosturi. Neste último, com casa cheia e muito barulho do público, pude assistir a um show do Battle Beast, com abertura de um interessante grupo de hard rock chamado Temple Balls (fica a recomendação).

No mesmo dia, o Napalm Death tocava em outro clube e, nas semanas seguintes, ocorreriam outros shows. Porém, como a grama do vizinho é sempre mais verde, os finlandeses reclamam que a Suécia recebe mais turnês de metal. Humildemente e sem meias palavras, também admitem que perderam o primeiro lugar para os suecos na última década, em termos de qualidade e grandeza global das bandas.

Ao final do show, uma surpresa: os ocupantes do andar de cima saem primeiro, com prioridade para os cadeirantes, enquanto os demais aguardam até o fim. Mas a maior surpresa foi ver uma jovem sozinha no ponto de ônibus, à noite, em frente a um terreno baldio de uma rua escura e deserta, com uma mala maior do que ela, mexendo no celular, zero preocupação. O meu “sentido aranha” de brasileiro já apitava só por estar andando ali. Ao contar para outros finlandeses a minha observação, ninguém acreditou que eu estava achando algo de anormal naquilo.

Em Helsinki fica a maior loja de artigos musicais da Europa (Music Hunter), sendo grande parte de metal e estilos afins. Com discos do chão até o teto, camisas e bugigangas de colecionador, a loja é um paraíso e um risco de falência para os visitantes. A cidade também possui uma loja exclusiva de black metal (Kvlt), ponto de encontro dos fãs do gênero, e abriga o maior festival de metal do país (Tuska Open Air), com público de 15 mil pessoas por dia. Vamos lembrar que tudo isso é em uma cidade com menos de 650 mil habitantes.

Foto: Ciro Santos
Foto: Ciro Santos

Porém, outras cidades menores também possuem seus próprios festivais, fora os bares e clubes. Vai visitar o Papai Noel na Lapônia? Vá ao Paha Kurki Rockhouse, um dos bares de metal de Rovaniemi, cidade com meros 65 mil habitantes em pleno Círculo Polar Ártico. Aliás, os finlandeses não são expansivos como os brasileiros, mas, após alguns copos de boa cerveja e boa vodka regional no balcão, você ganha excelentes amigos e o papo flui até de madrugada.

Não se preocupe ao voltar andando, pois não existe violência, a cadeia regional está vazia há anos e a principal função da polícia é retirar os bêbados que dormem no banco da praça, devido ao risco de hipotermia. Caso você fique até a época de Natal, as estrelas do rock/metal finlandês se apresentam pelo país tocando músicas natalinas, tipo um especial do Roberto Carlos itinerante para headbangers.

Foto: Ciro Santos

Parece difícil entender por que o país é tão ligado à música e, especialmente, ao heavy metal. Nem mesmo eles sabem explicar, pois acham tudo super normal. Mas é possível fazer correlações. A Finlândia possui um dos melhores sistemas educacionais do mundo, em que a música erudita e a Kalevala (o clássico livro das “sagas” épicas nacionais) estão fortemente inseridas desde cedo. A cultura é prioridade e o grande herói nacional é justamente um compositor erudito, Jean Sibelius, cuja influência está por toda parte.

Isso motiva a inclinação por uma música complexa e cheia de possibilidades como o metal. Também explica a capacidade diferenciada de composição das bandas finlandesas, como Nightwish, Amorphis, Wintersun, Sonata Arctica, Children of Bodom, Apocalyptika, Insomnium, Swallow the Sun, Ensiferum, Kalmah, HIM, Omnium Gatherum e Stratovarius, cujo baixista, por sinal, é bisneto de Sibelius. O clima frio e os longos invernos melancólicos, com poucas horas de sol, também constituem uma possível variável dessa equação.

Enfim, a Finlândia é o país “mais feliz” do mundo, o que, na prática, significa desempenho de qualidade em serviços e satisfação da população. Altamente desenvolvido, seguro e bem administrado, o país valoriza a educação e a cultura, com ênfase nos clássicos. Também é a nação com o maior número percentual de bandas de heavy metal no planeta, mais de 50 bandas para cada 100 mil habitantes. Tudo coincidência? Óbvio que não.

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