“Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade”. Esta é uma frase cunhada pelo desprezível Joseph Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha Nazista. A expressão, no entanto, pode ganhar algumas metamorfoses e ficar algo como: “Uma bobagem dita mil vezes torna-se verdade”. E neste contexto bem pateta e bobo que o Dia Mundial do Rock foi criado, porém só é celebrado no Brasil.
Antes de adentrarmos no tema em si, vamos fazer uma breve viagem ao tempo para relembrarmos de onde veio esta ideia de jerico. No dia 13 de julho de 1985, o ativista e músico Bob Geldof reuniu bandas e músicos de diferentes correntes artísticas para uma causa justa e urgente, que era levantar dinheiro para ajudar mitigar a fome na África. Bob, inclusive, foi um dos candidatos ao Nobel da Paz de tal ano, devido sua louvável iniciativa.
O evento de Bob Geldof, que fora batizado de Live Aid, aconteceu em dois lugares simultaneamente: No estádio de Wembley, em Londres, Inglaterra, e no estádio John F. Kennedy, na Filadélfia, Estados Unidos. A festa foi embalada por shows icônicos como Black Sabbath (formação original), The Who, Sting, U2, David Bowie, Queen, Led Zeppelin, Judas Priest, Phil Collins, Bryan Adams, Simple Minds, Dire Straits, entre muitos outros.
Vale um adendo! Na época, a TV Globo teve a faca e o queijo na mão para fazer uma cobertura caprichada, com a oportunidade de apresentar o evento ao vivo, mas preferiu nivelar seu trabalho por baixo e exibir um minguado especial de uma hora e meia, com direito, é claro, a muitos erros de informações e falas desconexas dos apresentadores da atração. ‘Pouco caso a gente vê por aqui’ deveria ser o slogan da cobertura.
Apesar de alguns contratempos, as duas maratonas de shows foram um sucesso e atingiu o objetivo de levantar um dinheiro para o povo africano. No decorrer da festa, inúmeras entrevistas com as estrelas da música pipocaram dos dois lados do Atlântico. Uma das declarações mais efusivas veio do baterista e vocalista Phil Collins (Genesis), que afirmou, em tom jocoso e bravateiro, que aquele dia poderia se tornar o dia mundial do rock. Collins e o jornalista riram do comentário e, naquele mesmo momento, a ideia, para o mercado internacional, foi enterrada a sete palmos do chão.
Porém, aqui na terrinha, duas rádios de São Paulo levaram a gozação de Phil ao pé da letra e começaram espalhar aos quatro ventos que tal dia fora institucionalizado como o dia do mundial do rock. O que sempre foi uma lorota e lenda do mesmo teor daquelas que permeiam o nosso folclore como a Mula Sem Cabeça, Saci-pererê, Boitatá, Curupira e Lobisomem.
Como dito anteriormente, uma bobagem dita mil vezes torna-se verdade, então, de forma bem medíocre e infantil, a ideia foi ganhando relativo corpo a ponto de ser reconhecida pela mídia hegemônica como uma “uma verdade absoluta”.
Nos últimos anos, depois de uma atriz claramente alcoolizada, proferir a infame frase: “Hoje é dia de rock, bebê”, a data ficou ainda mais caricata e esvaziada de respaldo legítimo para o público que vive com o rock n’ roll diariamente; para os fãs que têm o estilo como uma verdadeira companhia em suas vidas.
É uma data a qual vai coalhar de piadas abjetas no zap da família. É o dia em que tio do pavê vai dar as caras com frases grotescas como: “Hoje é o dia daquelas músicas de maluco que você ouve”, “hoje é o dia da música do capeta”, “é o dia em que os roqueiros vão para o cemitério ouvir aquela barulheira”, entre outras barbaridades. Então, o dia mundial do rock vem mais embalado como uma oportunidade de deboche de quem está fora do ecossistema do estilo musical do que uma genuína e respeitada celebração.
Além do mais, em termos práticos e tangíveis, é uma ocasião que pouco ou nada traz de benefícios à manifestação artística, tampouco aquece de maneira substancial o setor de eventos e festivais no país. Eventos despontam aqui e acolá, mas não vingam de modo a se consagrarem na agenda cultural do Brasil de maneira permanente. Dito isso, fica claro que não é neste contexto diminuto que vai fazer o verão acontecer!
Aliás, é muito mesquinho se regozijar com matérias sobre o rock que vão despontar na grande mídia, pois, cedo ou tarde, será esta mesma mídia que virá sedenta, babando ódio, para tratar e taxar o som pesado como inimigo número um da sociedade; será esta mesma mídia que não medirá esforços para colocar a pecha de chaga da sociedade no rock. Isto já aconteceu inúmeras vezes; caso tenha estômago, é só remexer um pouquinho a história e verá o jeito repulsivo que é tratado o som pesado pela turma da massa cheirosa.
Sendo assim, o Live Aid foi um episódio importante da cultura contemporânea, todavia, os desdobramentos do festival aqui no Brasil foram nada menos que medíocres. Ter no calendário o Dia Mundial do Rock que só celebrado no mercado doméstico é uma violação ao intelecto do público e ao trabalho íntegro de grande parte das bandas e artistas. Todo dia se revela como uma oportunidade majestosa para celebrar e curtir rock n’ roll.