O pior golpe sempre vem daquele que mais estimamos e temos apreço e admiração. Tal máxima é aplicável em todas as instâncias da vida: do trabalho ao círculo familiar, da turma do futebol ao pessoal do boteco, e é cabível também nos fantásticos mundos do rock n’ roll e do heavy metal.
Puxando para o nosso campo de interesse, que é a música pesada, é extremamente lamentável e inoportuno vermos bandas e artistas que curtimos traindo as próprias decisões e convicções, e, consequentemente, colocando em cheque a própria integridade.
Por exemplo, anos atrás, o Slayer, grupo que sempre se orgulhou de ser fiel ao seu público e aos seus princípios, saiu de cena com um caprichado álbum de estúdio, Repentless, de 2015, e uma bem-sucedida turnê mundial, que passou pelo Brasil, inclusive.
Depois da tour, os membros que mandam na empresa, vide Tom Araya (vocal e baixo) e Kerry King (guitarra), juraram de pés de juntos que nunca mais o Slayer retornaria aos palcos.
É importante destacar que a decisão de tal aposentadoria partiu essencialmente de Tom, que já estava farto de tocar ao vivo, queria colocar o boi na sombra e curtir os netos. A vontade de King não era bem essa, mas acabou endossando o desejo de Araya e assinando embaixo.
Dessa forma, esses shows anunciados recentemente, que vão rolar em setembro de 2024 no Riot Fest e no Louder Than Life Festival, vão deixar a base de fã polvorosa, ouriçada e saltitando de felicidade, o que é óbvio. No entanto é lamentável ver uma banda, que sempre colocou a dignidade em primeiro plano e sempre bateu no peito que jamais se aliaria a nomes como Ozzy Osbourne, KISS, Scorpions e Mötley Crüe – que anunciaram aposentadoria e trinta segundos depois retomaram a atividades -, tomar a decisão de voltar aos palcos.
Outro ponto que evidencia que a dignidade anda em baixa no heavy metal e no campo do Slayer é a entrevista recente de Kerry à revista Rolling Stone, que declarou não ter contato com Araya desde a derradeira apresentação da banda, que rolou no The Forum em Inglewood, Califórnia, Estados Unidos, no dia 30 de novembro de 2019.
Na entrevista, o guitarrista disse: “Nem mesmo uma mensagem. Nem mesmo um e-mail. Conversei com todo mundo da banda por telefone, mensagem de texto ou e-mail. Se Tom me ligasse, eu provavelmente responderia. Dependeria do motivo do contato, mas não desejo que ele morra neste momento”.
Ou seja, para uma volta do Slayer, aconteceu muitas negociações, acordos de lá e cá e pormenores que passaram na mão de advogados, contadores, empresários e produtores. Nada foi feito a toque de caixa, sem a anuência, participação e comunicação dos músicos, no improviso, assim como o churrasco que a gente faz acontecer do nada, no sábado a tarde.
Com isso, a fala recente de King sobre não ter contato com Araya provavelmente não passa de uma baboseira e conversa para boi dormir. Tudo indica e leva a crer que o retorno do Slayer já estava previsto desde o último acorde no The Forum. A ideia era só esperar o defunto esfriar, ver quem dava mais pela volta do grupo e assinar o contrato.
Não há dúvida de que o valor dos cheques para estes shows é polpudo; vai garantir o carro do ano, nova casa de veraneio e uma encorpada quantia de dólares na conta. Mas será que cobre o valor da dignidade? Tom Araya e Kerry King vão ficar com a conta bancária mais volumosa, sem dúvida; no entanto, com a moral baixa, em pior estado daqueles que eles criticavam por terem se aposentado e, posteriormente, voltado à ativa.