O Woodstock ‘99 foi anunciado como um respiro para os fãs de rock do final do milênio. Com um line-up de peso que incluía bandas como Metallica, Muse, Rage Against the Machine,Red Hot Chilli Peppers, Korn, Limp Bizkit, Offspring, Chemical Brothers, Insane Clown Posse, James Brown entre diversas outras, a expectativa era alta – e 400 mil ingressos foram vendidos para os quatro dias de festival.
Mas o evento foi um desastre sem fim. Para começar, sua entrada cara (US$ 150 – na época, ingressos premium para shows de grandes bandas eram em média US$ 60) e infraestrutura precária: não havia banheiros nem bebedouros suficientes (e a água era vendida a preços exorbitantes) e não se via uma lata de lixo. E, feito em um final de semana com temperatura média de 37ºC e sol a pino, também pecou em não ter nenhum lugar com sombra disponível. Para completar, 2 km separavam os palcos principais um do outro. E muita, muita revolta de quem estava lá.
“Era um lugar perigoso para se estar” descreveu, à época, um repórter da MTV, que transmitia o evento ao vivo. “O cenário todo era assustador. Havia ondas de ódio por todo lugar. Claramente a gente tinha que sair de lá. Era como um campo de concentração. Para entrar você era revistado para que eles tivessem certeza de que você não estava levando água ou comida que faria com que você não comprasse os produtos com preços absurdamente altos lá dentro. No festival você chafurdava pelo lixo e dejetos humanos. Havia uma sensação de raiva palpável no local.”
Mesmo assim, o desconforto foi o menor dos problemas. Durante os quatro dias do Woodstock 99’, o saldo de crimes foi grande: 44 pessoas presas (a maioria por posse de drogas), vandalismo, estupros e mortes. 1,2 mil pessoas foram levadas para o pronto socorro.
A baderna começou, supostamente, durante o show de Limp Bizkit no dia 24 de julho, sábado. As pessoas, cansadas de não conseguir beber água e passar calor, começaram a quebrar canos para desviar o curso e conseguir se hidratar sem precisar andar 2km para isso. As grades que cercavam o local e impediam a invasão também eram derrubadas. Tudo isso enquanto a banda tocava “Break Stuff” (“Quebrem Coisas”).
O vandalismo foi o crime mais leve cometido no show da banda: depois do fim do festival, diversas testemunhas denunciaram um estupro coletivo. Uma garota não identificada foi levada ao chão e estuprada por dezenas de homens ali mesmo, no meio da multidão. O mesmo aconteceu no show do Korn. No total, quatro mulheres sofreram estupros.
Depois disso, veio a subversão do show do Rage Against the Machine. Durante “Killing In the Name”, colocaram fogo na bandeira dos Estados Unidos que estava no palco – levando o público à loucura e mais uma onda enorme de vandalismo.
Mas a pirotecnia alcançou seu limite no dia seguinte, 25 de julho, durante o show do Red Hot Chilli Peppers que encerrava o festival. Um grupo de fãs queria criar um clima de vigília durante “Under The Bridge”, e por isso resolveram distribuir velas por aí. Péssima ideia: quando a banda tocou “Fire”, cover do Jimi Hendrix, as pessoas literalmente atearam fogo em tudo. Disseram depois que não era o objetivo, e tocaram a música a pedido da família do músico que se apresentou no Woodstock original.
Irritados, com sede, cansados e sujos, o público usou as velas para incendiar o local do evento. Em minutos, dezenas de focos de incêndio foram criados. O lixo que estava no chão (porque lá não tinham lixeiras) era usado como combustível. No final, 12 trailers, um micro-ônibus, banheiros químicos e tendas viraram cinza. Seis pessoas foram feridas.
A baderna do festival teve mais uma tragédia: a morte de David DeRosia, que passou mal no show do Metallica devido ao calor extremo. Foi levado para o posto médico e posteriormente transferido para um hospital – mas morreu dois dias depois devido a hipertermia e problemas cardíacos. A família moveu processo contra os organizadores.
No fim das contas, o saldo negativo acabou sobrando para uma geração inteira e para o rock. As coberturas do evento na mídia foram bem negativas, à exemplo da MTV citada acima. O San Francisco Chronicle disse que aquele foi “o dia em que a música morreu.” No Brasil, não foi diferente: ”Festival termina com guerra de garrafas, saques e incêndios”, anunciou a Folha. Os organizadores chamaram o público de “jovens loucos” e “abomináveis”, e disseram que por tudo que aconteceu, o festival ganhou “um imaginário de pessoas dançando em volta do fogo.”
O foco no caos desagradou os artistas. “Os ataques sexuais que aconteceram foram horríveis e inescusáveis. Mas no geral, achei que a cobertura da mídia foi bem injusta e atacava os jovens e tentaram fazer de vilões uma geração inteira por causa de uns dois idiotas que estavam lá”, disse Tom Morello (Rage Against the Machine) no ano 2000. Relembrou o acontecimento este ano: “os estupros no pit, a destruição do lugar. Pareceu que eles destacaram os piores elementos do metal – a misoginia de atletas sadistas – e a mensagem não foi dada como ‘isso é horrível’, e sim como ‘esta é a nova geração do Woodstock – um bando de idiotas”.
Depois disso, o Woodstock também conseguiu, por si só, uma reputação ruim. Enquanto o evento de 1999 foi a comemoração de 30 anos do original, demorou para alguém se animar a retornar o nome icônico do evento. Somente este ano, em 2019, ressurgiu o Woodstock 50 em sua comemoração de 50 anos. Mas nem aconteceu e já está em apuros: falhas de segurança e quebras de contrato atrapalham a organização e o evento não tem nada concreto (e o que tinha foi desfeito, como localização). Talvez seja um presságio de que o melhor é não dar chance à tragédia.
Por YOLANDA REIS
Fonte: Rolling Stone Brasil