Era início dos anos 2000, depois do estrondoso sucesso do Angra nos anos 1990, questões internas levaram à separação da banda, brigas judiciais envolveram o nome do grupo e a incerteza do que aconteceria tomava conta da cena brasileira do metal. Poucos anos antes, o Sepultura havia passado por essas mudanças e o grupo nunca mais chegou perto do patamar que havia alcançado com a formação original. O que aconteceria com o Angra? As notícias iam apresentando os novos membros do grupo e a expectativa do que se apresentaria iniciava, no entanto, nem o mais otimista fã do grupo poderia imaginar o que ia acontecer. Rebirth foi lançado e o Angra estourou em todos os lugares.
O álbum foi um sucesso de vendas, de críticas, de distribuição, de cobertura de mídia, e é tido como um dos mais importantes álbuns de power metal da história. Aquiles Priester (bateria) e Felipe Andreolli (baixo) montaram uma cozinha de respeito, Edu Falaschi trouxe versatilidade e potência vocal – completava a formação da banda os guitarristas Kiko Loureiro e Rafael Bitencourt. Impossível deixar de lado o clichê, ali a banda renascia.
Dois anos depois veio o incrível Temple of Shadows e a banda se consolidou como a potência e o maior representante do metal nacional daquele momento. O Krisiun tomava conta do cenário do death metal ao redor do mundo, o Sepultura ainda colhia frutos dos anos anteriores, mas o Angra explorava e mostrava que o Brasil podia estar entre os mais populares do mundo.
De lá para cá muita coisa aconteceu. O Angra voltou a ter problemas internos. O álbum seguinte, Aurora Consurgens (2006), passou quase batido e Aqua (2010) encerrou mais uma fase da banda. Precisando renascer mais uma vez, o grupo foi realizando trocas, mudança de bateria, mudança no vocal e novas expectativas do que aconteceria. Fabio Lione, que conquistou o mundo com o Rhapsody, chegou para a assumir a voz do Angra, mas Kiko Loureiro deixou o grupo para assumir como guitarrista do Megadeth. Um Secret Garden (2014) sem nenhum tempero especial veio, mas o que deu esperanças de ver o Angra no topo novamente foi o excelente OMNI (2018). Uma pandemia chegou e afastou a banda do público, mas em 2022, finalmente uma grande tour nacional do grupo pode reencontrar ídolos e fãs, novamente.
Antes do Angra, duas bandas locais fizeram o aquecimento. Às 18h30, a abertura ficou por conta de Mortticia, de Porto Alegre. O quinteto gaúcho apresentou faixas de seu EP A light in the Black, de 2020. A felicidade estava estampada no rosto do grupo com a oportunidade de apresentar as suas músicas para um público que já ocupava boa parte do Bar Opinião. Iniciou com Limiar, Violence e a cadenciada e quase progressiva Hear my Words, faixas que chamaram a atenção do público. Na sequência o vocalista Lucas anuncia a mais orquestrada e complexa do grupo, Life is On (One Flower). Para encerrar, o primeiro single da banda, Ocean of Change. Com um set 100% autoral, o grupo deixou uma excelente impressão e, certamente, despertou a curiosidade dos que foram em busca do artista principal.
Às 19h30 entra no palco a banda Rage in my Eyes. O grupo já é bem mais consolidado entre os fãs gaúchos. Os membros fundadores do conjunto já estiveram em outras bandas, sendo a base original formada pela Scelerata, grupo que alcançou bom sucesso nos anos 2000. Marcaram ainda o seu nome abrindo para ninguém menos que o Iron Maiden em sua última passagem por Porto Alegre. Com uma gaita incorporada às guitarras, baixo e bateria, a sonoridade da banda é marcante e visualmente já se diferenciam no palco. Falar em palco, a sua preparação mostrou que a Rage in my Eyes tem uma vivência e anos de estrada a mais.
A abertura vem o novo EP do grupo, Spiral. And Then Come the Storm e Dare to Defy para começar tudo. Chamam o ”Gaiteiro” no palco para Death Sleepers. Com linhas de baixo e levadas da mais tradicional milonga gaúcha e riffs do metal clássico, a faixa é uma das mais populares do grupo. Em Spark of Hope, o grupo convida o público a cantar junto um trecho em português. A faixa traz na letra um pouco da cultura gaúcha e possui um videoclipe com a temática campeira típica do RS. Seguem com Winter Dream, de Ice Cell. Lembrando o momento nostálgico da noite, o grupo faz uma homenagem ao vocalista André Matos com a faixa I Don’t Want to Say Goodbye, single de 2020 e descrita como uma carta ao eterno vocalista. Para encerrar, a faixa Spiral Seasons. O grupo é um dos fortes nomes do metal gaúcho, com boa produção, presença no palco e qualidade musical, aos poucos vai conquistando espaço no disputado e limitado mundo do metal no Brasil.
Às 20h48, as luzes se apagam para a atração principal. Um Bar Opinião lotado e com ingressos esgotados esperavam para ver a banda mais uma vez no sagrado palco local. A abertura com o clássico Nothing to Say e a mais recente Black Widows Web servem para dar as boas-vindas. Fabio Lione convida a todos para cantarem todas as músicas do álbum que todos conhecem e é o tema da atual turnê. In Excelsis anuncia e começa tudo com Nova Era. A recepção do público não podia ser diferente, êxtase. Millenium Sun e Acid Rain mantém o público cantando junto. A balada Heroes Of Sand é outra cantada em uníssono.
Toda a brasilidade característica da banda vem em Unholy Wars, uma das melhores composições do grupo. Com trechos em português, batucada e o ritmo cadenciado foram um dos pontos altos do show. A faixa Rebirth vem na sequência, as frases conhecidas de todos há mais de 20 anos foram cantadas por todos, com uma falha de Lione na letra, mas quase imperceptível. Running Alone e Visions Prelude encerraram a homenagem do grupo ao clássico álbum.
Mas ainda tinha mais! O Angra montou um set list passando por várias fases e relembrando quase todos os discos. The Course of Nature, de Aurora Consurgens; Metal Icarus, de Fireworks; The Shadow Hunter, de Temple Of Shadows; The Rage of Waters, de Aqua; Bleeding Heart, do EP Hunters and Prey; e Upper Levels, de Secret Garden. O grupo sai de cena para o último retorno. Unfinished Allegro toca e anuncia Carry On. A faixa de abertura de Angels Cry (1993) é um dos maiores clássicos do grupo, mas um problema no retorno de Lione fez o vocalista se perder completamente na música errando a letra, o tempo da faixa e fazendo uma pequena confusão na apresentação. Por sorte o público ajudou a manter a apresentação em ordem.
Foram mais de duas horas de show, mas por vezes a sensação é de a banda ser um tributo dela mesmo, como se fosse um cover oficial do que foi o Angra um dia. Para quem viveu o auge da banda, é estranho ver a presença de palco atualmente. Passa uma impressão de ser um grupo sem liderança, sem gestão deles mesmos, encarando o palco como mais um dia no escritório. Talvez eu seja um fã exigente demais, mas ver a banda que cresci ouvindo, admirando e estudando dessa forma mostra que o melhor da nostalgia são as lembranças boas que ficaram lá atrás.
O Angra mostrou um bom caminho com OMNI, um novo direcionamento com músicas escritas e pensadas para a voz de Lione, mas é a hora de renascerem mais uma vez e acreditarem no potencial que o grupo pode alcançar com uma nova identidade, se desprendendo do que foi construído nas duas fases anteriores. Uma terceira reencarnação se faz necessário, caso contrário, o grupo vai viver os próximos anos celebrando o passado sendo, como dito anteriormente, o tributo deles mesmos.