Pensar no gênero heavy metal como um estilo isolado é tentar colocar uma grande metrópole dentro de uma pequenina e pacata cidade do interior, visto que a sombrinha do estilo dá cobertura a diversas facetas e abordagens.
Muitos estão firmes até os dias de hoje, trazendo o sorriso ao fã incondicional, mas há aqueles que por um motivo ou outro se desgastou ficando de pé apenas as bandas pioneiras do determinado estilo.
Quer um exemplo? Heavy Metal Melódico. Há tempos vem respingando nos oportunistas de plantão a gotinhas de água fria, ficando na ativa somente as bandas que de uma maneira ou outra têm sua raiz no estilo e faz valer a atenção do ouvinte, e o exemplo que vem fácil, fácil, à cabeça é a banda brasileira Angra, que apesar dos contratempos se mantém firme ao Heavy Metal Melódico.
Foi para saber as quantas andam a carreira da banda que fomos bater um papo com o guitarrista Kiko Loureiro e o vocalista Edu Falaschi. Então, sem nove horas porque quem está com a voz é o Angra.
O Angra, mais uma vez, renasce após um período de turbulência, e indo na contra mão dos acontecimentos negativos, eu gostaria de saber quais os pontos positivos que vocês puderam tirar dessas experiências não tão agradáveis?
Kiko Loureiro: Com certeza foi a união entre a banda. A gente aprende muito com os tropeços, e no caso do Angra, a questão da união foi um dos fatores que mais se destacou.
Edu Falaschi: O respeito também é um dos pontos que podemos destacar, porque é básico em qualquer relacionamento, sem ele não há relação que dure, e isso serve para relacionamento entre familiares, casais ou numa relação de amizade.
Kiko: Exatamente! Até porque o respeito é uma forma de dosarmos e sabermos nossos limites, quando termina o meu limite, começa o da outra pessoa. Sem dúvida, esses são alguns dos pontos positivos que podemos tirar das experiências do passado.
Dentre as coisas boas que podem ser tiradas desse período negativo, uma delas foi a volta do baterista Ricardo Confessori. Como foi essa reaproximação com ele? Vocês chegaram a cogitar outros nomes para ocupar o posto?
Kiko: A saída do Aquiles e os problemas com nosso antigo empresário são questões independentes uma da outra, só para deixar claro. Mas quanto à saída de Aquiles da banda e fazer a substituição, nós não tínhamos a ideia de tirar um e já colocar um outro no lugar. Na verdade, nós queríamos ver quem era o mais indicado a integrar à banda, testamos algumas outras pessoas para ocupar o lugar.
Edu: O Ricardo não era a única opção, era apenas uma das possibilidades que estava ao nosso alcance, então, não foi o único nome a ser cogitado a ocupar o lugar do Aquiles não.
Kiko: Lógico que o fato de termos trabalhado com Ricardo anteriormente pesou na nossa decisão final. Mas cogitamos, sim, outros nomes para a bateria do Angra.
Depois que os problemas foram sanados, o Angra partiu para uma interessante turnê com o Sepultura, como foi essa experiência de dividir o palco com um dos maiores representantes do metal brasileiro? Esses shows foi uma forma de exorcizar os problemas e recarregar as baterias para compor o novo disco?
Edu: Com certeza! Não tinha como entrar em estúdio para compor um novo álbum depois de tanto tempo parado com o Angra. Mesmo que nesse tempo cada um de nós tivesse envolvido com seus próprios projetos, o Angra estava parado, então, a gente precisa recarregar as energias.
Kiko: E foi uma forma de entrarmos na mesma sintonia e dar boas vindas ao Ricardo. Foram, em certa forma, shows importantes para o Angra, nos ajudou alinhar muita coisa na banda.
Como vocês devem saber, está rolando na gringa a turnê Big Four, com os quatro grandes representantes do thrash metal americano (Metallica, Megadeth, Slayer e Anthrax). Vocês acreditam que poderia rolar algo parecido aqui no Brasil, com as quatro maiores bandas de metal/rock do país, como: Sepultura, Angra, Korzus e Dr. Sin?
Kiko: Eu acho que não! São duas realidades diferentes, são dois mercados diferentes. Não tem como saber se o público brasileiro quer algo parecido com isso, às vezes, o público quer um som mais pesado ou um som que está sendo mais falado e comentado na mídia como o emo-core, enfim! Aqui é diferente de lá fora, não acredito, que algo assim possa dar certo no Brasil.
Edu: Nós não temos esse termômetro para saber se algo desse porte possa vingar aqui no Brasil. Até porque as bandas possuem estilos diferentes, e isso acaba não enquadrando ao formato da Big Four, que são bandas do mesmo estilo, lógico que cada uma possui sua identidade. Então, eu também acho que não rolaria algo assim aqui.
Vamos falar um pouco do novo disco que se chama Aqua, que significa Água em latim, e foi inspirado na última obra de William Shakespeare – A Tempestade. Gostaria que vocês comentassem um pouco sobre o conceito do álbum?
Edu: Foi um amigo nosso que nos falou sobre a obra A Tempestade – de William Shakespeare, ele comentou para que déssemos uma conferida no conteúdo da obra, que era a última obra de Shakespeare e era tida como algo negativo, porque a ligavam diretamente à morte do autor.
Kiko: Acabamos gostando da sugestão e trabalhamos em cima do conceito da obra. Foi a primeira vez que trabalhamos em completa harmonia com o conteúdo de um livro, no álbum anterior nós trabalhamos, sim, baseados em um livro, mas era um livro de figuras.
Foi interessante porque todos nós tivemos que ler e estudar “A Tempestade”, e foi um trabalho em conjunto, cada um ficou responsável por escrever material sobre determinada parte do livro.
A parte boa, também, nesse processo de composição foi que nos juntamos em um sítio, assim como fizemos no álbum Holy Land, para compor o álbum. Foi duro deixar nossos familiares e pessoas as quais gostamos por esse tempo, mas foi necessário para alcançarmos o resultado que o Aqua tem.
Edu: E trabalhar com essa obra de Shakespeare tinha tudo a ver com o que o Angra tinha passado recentemente. Na obra há traição, lealdade, vingança, amor… Há muito do que o Angra viveu nos últimos tempos, o que acabou se tornando a opção ideal para trabalharmos no novo álbum.
O elemento Água é essencial a quase toda forma de vida, provendo meios que asseguram a sobrevivência, sendo, talvez, o aspecto mais positivo dele. Por outro lado, a Água pode ser incrivelmente impiedosa com as tormentas, sendo esse um dos aspectos negativos. Então, em um contraponto com o elemento Água, o álbum tem as melodias, representando a calmaria e o acentuado peso, mostrando o lado não tão “belo” da coisa?
Kiko: De certa forma, sim! O Angra sempre trouxe essa característica de combinar as melodias e o peso nas canções, é uma forma de compor o que trazemos desde o primeiro álbum, e tem funcionado muito bem.
Edu: Faz sentido o que você falou! Há elementos no disco que representam a calmaria das águas e outros representam o seu lado mais violento. É uma forma de perceber o álbum.
O disco foi produzido pela própria banda, com coprodução Brendan Duffey e Adriano Daga, chegando ao fim da parceira com o produtor Dennis Ward, que já beirava os 10 anos. Porque vocês acharam que esse era o momento certo de trazer “sangue novo” à produção?
Kiko: Nós já temos experiência suficiente de conduzir a produção de nosso disco, aprendemos muito com o Charlie, que foi o produtor do disco Angels Cry, já no álbum seguinte nós nos colocamos de uma forma mais objetiva, dizendo o que queríamos ou não fazer, com isso fomos ganhando respeito por determinarmos o que íamos fazer.
Com Dennis foi uma ótima parceria, tudo era feito na base do diálogo, nós falávamos alguma coisa e ele dava seu posicionamento, e assim corria ao contrário. Mas, agora, chegou a hora de fazermos por nossa conta, e ainda tivemos a ajuda de Brendan e Adriano, o que só agregou ao trabalho.
Edu: E já estava na hora de pegarmos essa parte do trabalho, temos maturidade para fazê-lo e sabemos onde queremos chegar com ele, então, foi natural esse processo para todos nós.
Vocês mudaram também o direcionamento artístico da banda, optando por trabalhar com o Gustavo Sazes, tanto na arte do álbum e no design do site da banda. Como foi esse encontro de vocês? A arte final que Gustavo apresentou, era a identidade visual que o disco pedia?
Kiko: Nós conhecíamos o trabalho do Gustavo, foi simples a decisão de trabalhar com ele. Passamos para ele, mais ou menos, a forma que queríamos o material, ele captou bem a nossa mensagem, e acabou nos apresentando uma arte que combina perfeitamente com o conceito do álbum. Ficou muito bom o trabalho dele!
Uma curiosidade, são varias as bandas e projetos que surgem de membros e, até mesmo, ex-membros do Angra (exemplo: Almah, Bittencourt Project, Shaman). Parece que a “Água” – Aqua – que vocês bebem é pra lá de especial, porque todas as bandas e projetos têm qualidade acima da média.
Kiko: Muito obrigado, entendo como elogio! Mas é ruim, ao mesmo tempo, só ter essas bandas, né? Porque parece uma coisa “panela”, mas acaba virando mesmo, não sei por quê. Tem muita coisa do aprendizado que tivemos com o mundo da música, a gente já fez e faz eventos internacionais, o que acaba nos trazendo muito aprendizado.
Se vocês fossem representar em poucas palavras as diferentes fases da banda, sendo a primeira os álbuns Angels Cry, Holy Land e Fireworks; a segunda fase com os discos Rebirth, Temple of Shadows e Aurora Consurgens e a atual fase o álbum Aqua?
Kiko: Eu não sei cara! Eu vejo o período dos discos bem definidos, exemplo: Angels Cry foi um momento de descobrimento e imaturidade, misturada a vontade muito forte de fazer alguma coisa e com muitas ideias.
O segundo disco a gente disse: “Nós somos brasileiros, sabemos o que queremos e vamos mostrar o que temos de melhor”, então, nós tínhamos mais bem definido o objetivo.
Em Fireworks as coisas não iam bem, o André já mostrava desinteresse pela banda, o que acabou acontecendo sua saída tempos depois, não foi tão legal.
Rebirth foi, então, o renascimento mesmo, foi uma vontade minha e do Rafael de mostrar que o Angra não era só o André, ele não fazia tudo sozinho. E mais! Tinha um conceito por trás, tanto que foi Rafael quem teve a ideia de montar a banda.
Assim fica um pouco mais fácil de falar sobre as épocas do Angra, dividir em três fases fica um pouco difícil de resumir em poucas palavras.
Quais os planos para o futuro? O que os fãs podem esperar?
Kiko: Tem os shows que vão começar, vamos fazer Loudpark no Japão em breve. O que os fãs podem esperar, com certeza, são muitos shows.
Por Marcelo Prudente