Em um momento da história como o atual, onde é norteado por likes, share, engajamento, influencers e afins, a banda brasileira de thrash/death metal, Sepultura, é um case para lá de bem sucedido para qualquer um que queira se aventurar em empreendimentos online e/ou off-line, já que a banda aplicava em seu dia a dia tais táticas antes mesmo de serem normatizadas, empacotadas e vendidas para o mercado.
Basta dar uma olhadinha em alguns números como os mais de trinta e cinco anos de carreira, turnês e shows em mais de oitenta países, milhões de álbuns vendidos em todo canto do planeta, quinze trabalhos de estúdio no currículo, entre outros indicadores que fará qualquer CEO engravatado coçar a cabeça e pensar: como eles conquistaram todo esse sucesso?
E para saber um pouquinho desse sucesso do Sepultura, sobre os novos álbuns SepulQuarta e Quadra, sobre a dinâmica de vida em um mundo tomado por uma pandemia, entre outros assuntos, que o RockBizz foi bater um papo com o simpático e atencioso guitarrista Andreas Kisser. Então, já liga o som, se acomoda direitinho e bora para a primeira parte do bate-papo com Andreas.
RockBizz: Olá, Andreas! Bem, é impossível começarmos essa entrevista de outra forma que não seja te perguntando: Como você está? Como está a sua família? Pergunto por que os últimos meses foram, por conta da pandemia, bem desafiadores para todos nós.
Andreas Kisser: É um prazer falar com vocês mais uma vez! Estamos bem, mas foram vários desafios desde março de 2020 por ter que cancelar toda turnê do disco novo. Em janeiro deste ano, a minha esposa foi diagnosticada com câncer no intestino, está fazendo quimioterapia e já fez duas cirurgias, mas está tudo bem, positivo. Descobrimos o problema, e a partir do momento que o tratamento começou ela tem respondido super bem, ela só tem mais duas sessões [de quimioterapia] até outubro e novembro.
Aí, a gente espera que acabe e resolva, mas, apesar da quarentena e todos esses problemas, a gente encontrou uma maneira de ser uma banda diferente através da tecnologia, nunca imaginei que o Sepultura fosse capaz de ser uma banda sem palco, e a gente provou que é possível.
A SepulQuarta foi um evento que manteve a banda junto, conversando e criando ideias, o que me ajudou muito a enfrentar as coisas daqui de casa. Mas a gente está mais forte do que nunca como banda e como família. Nunca tive essa rotina de dormir no mesmo lugar todo dia, então, estou procurando usar isso de uma maneira positiva como fazer mais exercícios e ter uma alimentação melhor.
Eu parei de beber há um ano e meio, antes da pandemia, mas foi uma decisão que me ajudou muito a encontrar novas possibilidades e clarear a cabeça e ver outras possibilidades, e SepulQuarta foi uma delas. E aqui estamos, ansiosos para voltar ao palco, mas muito felizes com esse disco, que saiu dessa consequência, desse evento que a gente fez toda quarta-feira.
RockBizz: Durante esse período de paralisação das atividades ‘outdoor’ e da nova dinâmica imposta pela pandemia, você conseguiu manter e aproveitar o ócio criativo neste momento? E deste ócio criativo, surgiu, eventualmente, ideias para um futuro trabalho de estúdio do Sepultura, por exemplo
Andreas: Eu não diria ócio criativo. Criatividade nunca é ócio. Você está parado fisicamente, mas a sua mente não para. Escrever, ler, assistir documentário, conversar com amigos e família, tudo é influência e criação. Tudo é uma fonte, semente, que a gente pode desenvolver de várias possibilidades e ideias musicais, letras, arte de disco, ou seja, em tudo.
Então, acho que isso nunca parou, com ou sem pandemia, a gente sempre teve isso. Eu estou sempre compondo, não só dentro do Sepultura, eu tenho o De La Tierra e outros projetos. Nessa pandemia fui convidado para fazer um disco com uma cantora, que ainda não posso falar muito, mas em breve vamos anunciar, e foi um projeto em que eu só toquei violão, um disco inteiro de versões de músicas estrangeiras e brasileiras, com violão de sete cordas. É um projeto completamente novo para mim, também, estudei muito, tive esse tempo por conta da pandemia de focar e ter uma rotina de estudo, o que me ajudou muito a encarar esse projeto.
Então, a gente não está pensando em disco novo do Sepultura, temos um disco novo que é o Quadra, que saiu em fevereiro e ainda não conseguimos tocá-lo, então, estamos trabalhando para pegar estrada. A partir do momento que entrarmos no circuito de turnês, estrada, tocar e desenvolver as músicas no palco, a gente vai pensar no próximo passo, no próximo disco, o que não quer dizer que não tenhamos ideias de músicas.
Falo constantemente com o Eloy [Casagrande, bateria], trocamos ideias, mas não temos um conceito, não estamos trabalhando num disco. É uma coisa que naturalmente acontece, independente se a gente está na estrada ou não. Essa coisa de gravar e guardar ideias com a ajuda da tecnologia do smartphone é ótimo, já que podemos desenvolver essa ideia em alguma música ou tema.
Mas a SepulQuarta foi o nosso trabalho, palco, sala de ensaio, tour bus, ou seja, momentos em que a banda é banda. O grupo não é só no palco, banda troca ideia, briga, fala de mulher, futebol e política, fala de tudo. Nós somos amigos, companheiros de estrada, é como se fosse uma segunda família.
A SepulQuarta deixou a gente de maneira mais criativa de acordo com os limites que a gente teve por conta da pandemia. Não pode sair de casa, não pode ensaiar, não pode se encontrar. Então, com a tecnologia e dentro desses limites, nós fomos criativos em encontrar uma solução ou possibilidade de ser uma banda sem palco, que foi o SepulQuarta, e o disco saiu dessa atitude. Nós não planejamos fazer um disco. Ninguém sabia quanto tempo ia durar a pandemia, então, a cada quarta-feira a gente foi indo, escutando as notícias, vendo os números pelo país e pelo mundo, e a quarta-feira não parou e foi o que manteve a gente trabalhando.
RockBizz: O novo trabalho do grupo, que sai oficialmente neste mês, é o SepulQuarta. O álbum é fruto deste momento desafiador que comentamos há pouco. Você acredita que esse disco ganha uma cota a mais de responsabilidade nos tempos atuais, já que ele, assim como outras vertentes culturais e artísticas, vem como um sopro de positividade em meio ao caos que vivemos hoje em dia?
Andreas: Sem dúvida nenhuma, esse disco é um dos trabalhos que eu tenho mais orgulhoso, principalmente por que ele não foi planejado. A gente não planejou fazer um disco. Apenas escolhíamos as músicas de acordo com cada quarta-feira e nos adaptávamos a isso. Como eu disse, começamos sem saber quanto tempo ia durar essa pandemia, começamos quase como um ‘playthrough’, fazendo um clipe das músicas novas.
Depois, aos poucos, começamos a tocar mesmo, Eloy mandava a bateria para mim, eu colocava minha guitarra, recebia os áudios e eu mesmo mixava. Bruno Leandro, nosso webmaster, editava os vídeos, ou seja, foi uma coisa bem caseira. Adaptamo-nos e nos reinventamos, fizemos o que pudemos, já que não tinha como sair em turnê. No final de 2020, a gente percebeu que tinha um disco na mão, e naquele esquema: cada quarta-feira era uma situação, uma história, um convidado, um tema do Q&A [perguntas e respostas] e uma música para tocar, então, aproveitamos para tocar alguns lados B’s, músicas que a gente geralmente não toca ao vivo.
No final, saiu um disco sem muitas preocupações com a produção, sem aquela busca pela perfeição, porque ela não existe. A perfeição está na performance e no respeito ao presente, e a SepulQuarta é isso. Trabalhamos com o que tínhamos em nossas mãos, com isso, o disco tem uma sonoridade muito única e nova, já que não é ao vivo e nem de estúdio. É um método novo que surgiu por conta da pandemia, e não que vá substituir o palco ou o estúdio, mas é uma possibilidade de fazer colaborações, por exemplo. Dessa forma, dá pra gente trocar ideias e criar coisas remotamente.
A gente aprendeu muito, foi um processo maravilhoso, crescemos muito. A banda está mais forte do que nunca, crescemos como pessoa. Lidar com a pandemia como pai, marido, filho, amigo… Enfim, tendo que viver junto, coisa que eu não tinha com a minha família, foi um processo de aprendizado, um processo difícil, mas também muito prazeroso. Foi muito bom, a SepulQuarta foi muito positiva, porque nos deixava com o espírito positivo para encarar as notícias ruins do dia a dia.
RockBizz: Apesar da distância física, as performances do SepulQuarta conseguiram transpor essa barreira, soando viva e quente como se o Sepultura e os convidados estivessem reunidos em estúdio se divertindo pra valer. Captar e transmitir esse sentimento e energia para o disco foi uma tarefa difícil?
Andreas: A sonoridade é fantástica, porque cada um estava muito tranquilo, relaxado em sua própria casa, sem aquela pressão de gravar um disco, de ter um produtor e fazer aquele som perfeito. Foi tudo muito fácil, rápido e simples de fazer por conta da tecnologia. Eu recebia os áudios ou vídeos, ajustava os volumes e já ia para o ar. O profissionalismo dos convidados foi determinante, também. Todos foram muito positivos em fazer parte da SepulQuarta e, consequentemente, do álbum. Não rolou nada de ego. A gente se sentiu como em família, com uma positividade fantástica, foi fantástico.
Conrado Ruther mixou o disco, Mask foi a única faixa mixada por Devin Townsend, mas masterizada por Conrado. É um disco muito espontâneo e honesto, as versões que estão no álbum são verdadeiras e únicas. Estou muito feliz com o resultado e de ter criado junto com o Sepultura, equipe e fãs, a SepulQuarta. É um disco original, novo e único, não só para o Sepultura, mas para o business em geral, o que é inspirador.
RockBizz: O trabalho é recheado de nomes importantíssimos da cena metal como Phil Campbell (Motörhead), Alex Skolnick (Testament), Scott Ian, (Anthrax) Rafael Bittencourt (Angra), entre outros. Os convidados indicavam qual canção queriam tocar? Ou era uma decisão unilateral do Sepultura? Além disso, há alguma pessoa que vocês gostariam de ter no álbum, mas que infelizmente ficou de fora?
Andreas: Não, não teve regra geral, a SepulQuarta começou em março [de 2020] sem saber quanto tempo ia durar, mas tínhamos uma ideia de quem poderia participar. Com Scott Ian, por exemplo, a gente já tinha feito Cut-Throat algumas vezes, então foi meio óbvio. David Ellefson também, porque já fizemos Territory com o Metal Allegiance várias vezes. Hatred Aside tem três vocalistas na gravação original: eu, Jason [Newsted, ex-Metallica] e Derrick [Green], então resolvemos colocar as meninas [a saber: Fernanda Lira (Crypta), Angélica Burns (Hatefulmurder) e Mayara Puertas (Torture Squad)] nessa música junto com o Derrick, que organizou os vocais junto com elas.
Como disse, não tinha uma regra e tal, cada quarta-feira a gente lidava com uma situação, cada quarta-feira era uma história diferente. Eu me lembro de falar com Schirmer, do Destruction, mas não tinha data, ele já estava gravando um disco, então, acabou que não deu tempo para ele fazer, porque a SepulQuarta encerrou no final de 2020.
Tem três faixas que ficaram de fora do disco, mas serão lançadas em trabalhos futuros. Meaningless Movements com o guitarrista do Jinjer [Roman Ibramkhalilov], Desperate Cry com o baterista Jason Bittner, do Overkill, e Biotech is Godzilla junto com Polícia [do Titãs], que fizemos com Shavo [Odadjian], baixista do System Of A Down, e Tony Bellotto. São temas fantásticos que a gente guardou para lançamentos futuros, para ter um “material inédito” para as coisas que a gente eventualmente vá fazer.
RockBizz: Ainda sobre o SepulQuarta, como o podemos classificar? Ele não é um trabalho de estúdio, tampouco ao vivo. Seria um tanto injusto e não soaria nada bacana classificá-lo como um trabalho “pandêmico”, diga-se.
Andreas: Não sei, essa coisa de classificar é o que vocês fazem [risos], vocês jornalistas, eu digo. O termo rock n’ roll e heavy metal, todos esses termos vieram depois que a música já estava feita. Nós não estamos preocupados em criar novos nomes, a preocupação de nomes vem de uma necessidade comercial de se catalogar e botar em prateleiras e tal. A gente se adaptou a uma situação ainda muito incerta de como vai ser o mercado e os shows, ainda há muita incerteza nisso. Estamos vivendo o presente e não podemos ficar tão ansiosos com futuro, temos que viver o hoje.
Não sei, pode inventar qualquer termo, a nossa preocupação não é essa, a preocupação foi ter uma maneira de sobreviver como banda, e dentro dessa necessidade de sobrevivência a gente criou esse disco. O disco foi criado como uma consequência dessa nossa atitude. Os nomes e a forma como vão catalogar isso não me interessa muito, isso não vai influenciar em nada o que a gente fez ou vá fazer, é mais uma coisa mercadológica, não tem muito a ver com a arte em si.
RockBizz: O mais recente disco de inéditas de vocês é o Quadra, lançado em fevereiro de 2020. O disco é um dos registros mais fortes da carreira da banda, tendo boa aceitação do público e imprensa. Você consideraria apresenta-lo na íntegra, por exemplo?
Andreas: Sim, o Quadra foi muito bem aceito. Realmente, eu acredito que seja o maior disco ou o melhor disco que a gente fez, eu me sinto no meu melhor momento como músico, compositor e guitarrista. Tenho certeza que o Paulo [Xisto Jr., baixo], Derrick [Green, vocal] e o Eloy [Casagrande, bateria], também. Estamos em nosso melhor momento de nossas carreiras tanto individualmente quanto banda.
O Sepultura está muito bem organizado fora do palco, empresários profissionais, sem dramas e telenovelas [risos], uma equipe super profissional, enfim, está tudo completamente encaixado. Levou muito tempo pra gente chegar nesse momento e o Quadra é a consequência dessa organização, mudança de trajetória e reorganização burocrática da banda.
Temos uma equipe muito profissional, evoluímos muito nesse aspecto.
Quando paramos para fazer música, não pensamos em dinheiro, na direção musical e tal, essas coisas se resolvem antes, com antecedência. A partir do momento que temos um objetivo, cada um começa a trabalhar em sua parte, o que torna o grupo mais forte.
As possibilidades estão abertas, eu quero tocar o Quadra. Temos sete músicas no repertório novo. Seria uma possibilidade maravilhosa fazer o disco inteiro, mas não é o que a gente está pensando agora. A gente quer fazer uma turnê focada no Quadra, obviamente, e tocar a carreira do Sepultura, também, e não focar somente em um disco.
Continua…