Um dos estilos musicais mais famosos do mundo, o rock and roll mistura blues, jazz, country e forma um som característico que marcou e segue marcando vidas. Do classic rock ao thrash metal, existem opções para todos os gostos e estilos. Pais, filhos e avós continuam passando a cultura de geração e geração e são prova viva de que o rock não morreu – isso é o que diz Andreas Kisser em entrevista exclusiva ao Band.com.br.
Kisser, um dos músicos mais respeitados do mundo, é guitarrista do Sepultura, banda mineira com fama internacional e a mais importante do heavy metal no país. Seu amor por rock and roll é tão grande quanto sua paixão pelo futebol – e ele explica que uma coisa tem tudo a ver com a outra:
“Minha primeira paixão foi o futebol. Eu sou São Paulino e fui para o Estádio do Morumbi pela primeira vez, quando tinha 7 anos. Coincidentemente, um dos discos que mais escutei naquela época, era dos hinos de futebol dos times do Brasil. Então já tinha uma conexão musical com a paixão pelo futebol”.
A música sempre foi presente na casa em que o roqueiro cresceu. De Tonico e Tinoco e Martinho da Vila até Elis Regina, o que não faltaram foram exemplos. Mas foi com o violão da avó que ele passou a tocar os primeiros acordes. Certo dia, em um show da banda Kiss, no Morumbi, Andreas teve certeza que faria música pelo resto de sua vida.
Até hoje, Kisser carrega o rock and roll no peito e aproveita sua visibilidade para discutir temas como racismo, ecologia e inclusive valoriza a diversidade na música. Contudo, ele não hesita em afirmar que mais do que qualquer outro estilo, o rock é símbolo de liberdade e união.
Como Andreas Kisser se inspira?
Ao enxergar artistas consolidados no mercado, com incontáveis fãs em todo o mundo, é interessante entender como eles buscam inspirações. No entanto, Kisser surpreende ao dizer que não é um caçador de músicas e tendências.
“Eu detesto ficar com fone de ouvido toda hora. Gosto de ouvir os sons ambiente”.
É ouvindo pessoas falando ou qualquer outro desses sons que permeiam a metrópole, vivendo experiências em diferentes culturas e, principalmente, se colocando em desafios que o roqueiro encontra a música. “Quando você escuta uma música diferente, mesmo que não goste daquilo ou que ache muito ruim, sempre tem alguma coisa que você aproveita”, garante.
De geração em geração
Celebrando os quase 40 anos de história do Sepultura, o guitarrista explica que os fãs ainda participam dos shows como nos primeiros anos e entende que está vivendo um momento super especial na carreira.
“Apesar de muita gente achar que no rock todo mundo é carrancudo, curtir um som é uma coisa muito família. Você vê o avô com a camisa do Motorhead, levando o neto com a camisa do Sepultura, que era do pai ou de uma pessoa mais velha”.
Kisser ainda reflete: “O rock and roll é isso. Uma coisa que passa de geração para geração e que independe da moda ou de um momento específico, e é por isso que está aí até hoje e sem dúvida nenhuma, é o estilo mais popular do mundo”.
O Sepultura começou em 1984, em Belo Horizonte, e apesar de todas as dificuldades, o sonho de fazer música sempre prevaleceu. O desrespeito, inclusive vindo de pessoas amadas, existiu, mas o artista deu a letra: “É preciso ter a resiliência de realmente fazer aquilo que acredita e o resto que se exploda”.
Quando pensa em legado, o músico diz que ao longo de cada ano com a banda, eles puderam mostrar que, com trabalho, dedicação, disciplina, foco e estudo, tudo é possível. E, além disso, usar a música com responsabilidade, foi fundamental para fazer a diferença.
“Falamos de depressão, meio ambiente, política, a fim de dizer que não é só sexo, drogas e rock and roll. Eu acho que a gente tem que usar tudo ao nosso alcance para falar com as pessoas de uma maneira responsável e o melhor, sem me esquecer de onde vim, ou seja, da garagem. Isso é o mínimo que a gente pode fazer como artista”.
Sobre pequenas atitudes, Kisser acredita que quando investimos em nós mesmos, somos capazes de construir um mundo melhor.
“Parei de beber faz três anos e meio. Comecei a meditar, tomar banho gelado e respeitar o que o corpo está falando. Quando você se conhece, você se relaciona melhor com as pessoas”.
Inteligência artificial na música
À medida que a tecnologia avança, torna-se mais complexo distinguir o real do artificial. Os riscos e as implicações da adulteração, cada vez mais realistas, de fotos, áudios e vídeos são colocados em xeque na contemporaneidade e inflamam o debate sobre preservação da memória e o direito após a morte.
Por meio da ferramenta deepfake, é possível adulterar o rosto de uma pessoa em fotos ou vídeos por meio da inteligência artificial. Recentemente, Elis Regina apareceu em um comercial de uma marca de carros, ao lado da filha, Maria Rita, em um dueto para “Como nossos pais”. Enquanto alguns fãs se emocionaram com a homenagem, outros levantaram questionamentos éticos sobre a manipulação da imagem de uma pessoa falecida em um contexto fictício.
Essa não é a primeira vez que personalidades são recriadas digitalmente após a morte. E Kisser foi claro ao dizer que acredita que a tecnologia deve ser usada como aliada no mundo da música, e que algumas coisas, mais atrapalham do que ajudam.
“Eu acho uma busca vazia tentar trazer alguém de volta. Não entendo o objetivo disso. É um caminho muito esquisito esse da vida eterna. Acho que a vida é isso, a evolução, é preciso respeitar a morte. A morte não é punição, é uma escola e uma professora”.
Contudo, o músico entende que a tecnologia é inerente ao convívio em sociedade e afirma: “A inteligência artificial é limitada de acordo com aquilo que colocamos lá. Eu vejo várias coisas que são interessantes. Mas, não sei até que ponto a IA é uma aliada. É um tema polêmico, obviamente, mas já faz parte da nossa vida e é uma coisa que a gente vai ter que lidar”.
Vivendo o luto
Andreas passou a ressignificar a morte após perder sua esposa, Patrícia Kisser, em julho de 2022. Ela morreu vítima de câncer de cólon.
“Vi como a morte educa, dá mais sentido à vida, ao dia a dia e ao presente. Você não vai esperar amanhã para dar um abraço, falar um ‘eu te amo’ para uma pessoa importante”.
Patrícia esteve sob cuidados paliativos em São Paulo com auxílio de medicamentos para a diminuição de dores. Apesar da luta dela e de tantas outras pessoas, ainda não há leis sobre a eutanásia no Brasil. Aqui, a prática é considerada crime. O Código Penal condena a indução ou ajuda ao suicídio com até seis anos de prisão.
Contudo, o marido defende o direito à escolha de como passar os últimos momentos de vida: “A gente não pode ter medo da morte. Precisamos falar de eutanásia, suicídio assistido e sobre fazer escolhas de dignidade na hora da morte”.
Ainda em busca de respostas, o guitarrista foi apresentado à Comunidade Compassiva, ONG que promove conforto a pacientes com doenças ameaçadoras à vida. O atendimento voluntário é feito por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e dentistas no Vidigal e na Rocinha, no Rio de Janeiro, e em comunidades em Minas Gerais e Goiás.
Até hoje, Kisser faz questão de atuar disseminando o projeto por onde vai, como, por exemplo, arrecadando fundos para a ONG. Não só em campanhas em suas redes sociais, mas também com o evento PatFest. Que nada mais é do que um show de rock and roll que reúne Chitãozinho e Xororó, Sandy e Junior, Serginho Groisman, Carlinhos Brown, Samuel Rosa ou qualquer outro nome que tenha sido amigo do casal.
Patrícia sonhou com uma comemoração com luzes, instrumentos, onde pudesse reunir todos os amigos com o público e fazer um evento de celebração à vida. Sua doença, porém, se agravou e ela não pode realizar a festa. No entanto, quando a esposa partiu, Andreas percebeu que, apesar da sensação inexplicável do luto, ele se sentia preparado para atender o desejo da esposa.
A primeira edição aconteceu em setembro do ano passado, e reuniu artistas como: Dinho Ouro Preto, Samuel Rosa, Nando Reis e Chitãozinho e Xororó. Kisser adiantou que esse ano, o evento já tem data marcada: 25 de outubro – e ainda prometeu divulgar detalhes da festa em suas redes sociais.
O guitarrista ainda diz que é preciso deixar tudo preparado para o último dia de vida, como inventário, impostos e funeral. Para isso, só basta deixar o tabu de lado e falar sobre a morte. Pensando nisso, o roqueiro fundou o movimento Mãetricia, cujo objetivo é discutir morte digna. Nas redes sociais, o movimento também ensina as pessoas a fazerem testamentos, entenderem o luto e a importância de cuidar da saúde mental.
Viva o rock and roll!
Desde que surgiu na década de 1950, o rock and roll se tornou um fenômeno cultural. O estilo musical tem sido uma grande influência na nossa história, marcando a indústria da música, do cinema e, até, da moda. Para o guitarrista, esse fenômeno tem tudo ver com o lema que o estilo prega: seja livre para ser o que é.
“O rock está infiltrado e permeado em tudo o que a gente faz, mesmo que você não goste. Acho que isso acontece porque é um estilo de vida muito verdadeiro”.
Por Hanna Rahal
Fonte: Band