Com o avanço da tecnologia tudo tende a comodidade e facilidade. Até mesmo as mais simples tarefas possuem uma forma diferente de serem realizadas. Não há necessidade de ficar horas e horas na fila do banco pagando contas e/ou tentando transferir uma quantia de dinheiro, podendo essas operações em caixas rápidos e internet gastando poucos minutos, o que poupa tempo e paciência.
Esse avanço atingiu também o mundo da música. Aproveitando a carona da evolução, nasceram (e nascem) diversos softwares para facilitar a vida do músico, produtores, engenheiros e técnicos e até gravadoras.
A princípio todos saem ganhando com esses “novos brinquedos”, mas alguns questionamentos podem aparecer relacionados à seriedade daquele produto (a música).
Mas para entender melhor, faz-se necessário voltar um pouco no final das décadas de 50 e 60, quando grandes nomes como Jerry Lee Lewis, Elvis Presley, Little Richard, Chuck Berry e Beatles mandavam na cena mundial. Na época, todas as gravações independiam do uso de tecnologia. Tudo era concebido de uma maneira artesanal, o foco era dado na capacidade e destreza dos músicos.
As bandas iam para o estúdio para compor e aquelas mais organizadas já tinham toda a estrutura de como o disco deveria sair, no caso, a pré-produção.
Com todos – ou quase todos – músicos participando da criação, tendo o auxílio do produtor, o processo geralmente passava pela composição de um número razoável de canções para figurar no disco, selecionando aquelas que se enquadrariam na proposta do álbum e sendo ensaiadas à exaustão.
Após essa etapa era feita a gravação do disco, quando necessário dava-se alguns retoques nas composições até que finalmente ficassem perfeitas técnica e musicalmente.
Como a tecnologia de hoje ainda era bem distante naquele período, a banda não tinha lá muitas opções para gravar, então, cabia ao músico ser extremamente habilidoso. O artista tocava “de verdade” dentro do estúdio. Não havia a possibilidade de gravar instrumentos separados e depois agrupá-los na mixagem. Tudo era gravado na mesma hora.
Se o vocalista errava, a fita de rolo era parada, o técnico/engenheiro de som tinha que calcular o momento em que o músico errou e cortar essa parte e, posteriormente, emendar o resto da fita para ser gravado tudo novamente.
Esse procedimento se repetia até que a música fosse executada com perfeição por todos. A música era, de fato, a concepção de uma obra de arte, onde musicalidade, talento, técnica, infinitas horas de estudo, domínio sobre o instrumento e uma boa dose de paciência eram ingredientes básicos para se ter um álbum.
Com a chegada dos anos 1970 e 1980, novos meios de gravação foram desenvolvidos. Já se podiam gravar inúmeros instrumentos, fazer edições e várias texturas de sonoridade em uma mesma música.
Os estúdios dispunham de uma boa estrutura de gravação, mas ainda assim a música era uma forma de arte, onde se conseguia manter vivo aquele “espírito” de outrora.
Com a chegada do século XXI, o mercado foi inundado com incontáveis softwares de gravação e manipulação de áudio. Os chamados home studios conseguem atingir uma qualidade espantosa para os padrões da década anterior, e com o auxílio de softwares como o Pro-Tools e Reason, por exemplo, trouxe o que existe de mais novo no mercado em se tratando de modulações, sonoridade, texturas, ondas sonoras, timbre, efeitos e manipulação de sons.
Todas as ferramentas citadas possibilitam um incrível suporte ao músico, mas o problema reside no fato de não precisar mais de talento para se fazer música/arte (?) Tudo pode ser manipulado em estúdio (?).
A arte da música se foi? O que se escuta hoje é descartável? Há espaço para talento? As pessoas consomem sem ao menos conhecer o produto? Há ética onde cifras ditam as regras do jogo? Talento é relevante nos dias atuais?…
Escrito por: Marcelo Prudente