Não é segredo para ninguém: o mundo está muito longe de ser um lugar justo, já que é coalhado injustiças das mais diversas formas, tipos e sentidos. O universo musical segue, infelizmente, as mesmas premissas e pressupostos, sendo assim, o que não falta são injustiças pintando aqui e acolá, onde bandas do mais alto padrão técnico e criativo, que têm como aliados predicados imprescindíveis para a edificação de uma carreira artística robusta e próspera como repertório de primeira qualidade, originalidade e profundidade musical, mas infelizmente acabam relegados a segunda e terceira divisão do mercado fonográfico.
Dito isso, a nossa pretensão não é resolver todas as injustiças de décadas e décadas na seara musical – se tivéssemos tal poder o faríamos, cabe ressaltar -, mas trazer um lampejo de luz a carreira e repertório de cinco grupos que foram, de certa forma, subestimados pelo grande público e indústria do entretenimento.
Uriah Heep
Achar espaço e fisgar atenção do público num mercado onde nomes como Black Sabbath, Deep Purple e Led Zeppelin tomavam, merecidamente, a posição de vanguarda e protagonismo é uma tarefa para lá de hercúlea, mas o grupo britânico Uriah Heep conseguiu edificar sua carreira com originalidade e com um repertório saboroso.
Álbuns como Look at Yourself (1971), Demons and Wizards (1972) e The Magician’s Birthday (1972) provaram a ímpar capacidade de composição de Mick Box, David Byron & Cia. Características como uma ampla harmonia vocal trouxe um gosto muito especial a canções como Easy Livin’, The Wizard, Gypsy e Stealin’ e serviu como fonte criativa e influência a nomes do heavy metal como Blind Guardian.
Triumph
Contemporâneos ao Rush, o Triumph, que também era um trio canadense, teve sua carreira estigmatizada e, de forma assustadoramente indevida, ridicularizado como um mero clone e pastiche da banda de Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart.
O vocal, em tom altíssimo de Rik Emmett, mostrava uma certa semelhança ao perfil de canto de Lee, no entanto, as canções do Triumph tinham personalidade própria e em poucos segundos de audição era possível reconhecer o DNA da banda. Clássicos como Lay It on the Line, Magic Power, Fight the Good Fight e Time Goes By dão o tom do quão prazeroso é o som do Triumph.
Marillion
As radiofônicas Kayleigh e Beautiful estão longe, mas longe demais em fazer justiça a preciosidade e fineza musical que o Marillion tem apresentado desde seu primeiro trabalho de estúdio, Script for a Jester’s Tear (1983).
O quê pop sempre esteve presente no som do grupo britânico, e é um tempero agradável e mais do que bem-vindo, pois serve como um contraponto aos temas complexos e ilimitadas nuances que sempre permearam a carreira da banda. Seja na primeira encarnação do grupo com o vocalista Derek Dick: Fish para os íntimos, ou na segunda/atual encarnação, com o cantor Steve Hogarth, o Marillion tem em sua conta obras como Clutching at Straws (1987), Brave (1994) e Marbles (2004). Às avessas dos reclames de cerveja: Curta sem moderação.
Europe
The Final Countdown é uma canção incrível, com uma energia, animação e vigor capaz de ressuscitar metade dos walkers da série televisiva The Walking Dead. Mas, brincadeiras e comparações esdruxulas à parte, a carreira do grupo sueco é marcada por discos e canções que estão fora do radar de pessoas que só conseguem e ou querem consumir os singles radiofônicos.
Trabalhos como Out Of This World (1988), Wings Of Tomorrow (1984) e Prisoners In Paradise (1991) provam que o grupo é muito mais do que The Final Countdown e são responsáveis em aumentar o sarrafo técnico e criativo do hard rock.
Mr. Big
A banda norte-americana é outro caso em que singles radiofônicos fizeram um “desserviço” à extensão criativa e melódica de uma discografia. De certa forma, a overdose de açúcar presente em To Be With You e Wild World foram responsáveis em gerar um desalinho com temas mais energéticos como Colorado Bulldog, Road to Ruin, Undertow, Take Cover e Daddy, Brother, Lover, Little Boy.
O equilíbrio perfeito entre a complexidade técnica, que é cortesia de Eric Martin (vocal), Paul Gilbert (guitarra), Billy Sheehan (baixo) e do saudoso Pat Torpey (bateria), e o quê pop outorgaram ao grupo direções e possibilidades sonoras que seus pares sempre sonharam dispor, mas nunca tiveram recursos técnicos para tal.