As Bruxas Da Noite: O Rock Como Recurso Didático

Por Diogo Tomaz Pereira *
Sobre o Autor: * Professor de História do Ensino Fundamental II, Ensino Médio e Cursinhos Revisionais em Juiz de Fora/MG; Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora, com ênfase em História Social, História Religiosa e História do Brasil Colonial (XVI-XVIII); Headbanger e fã do Iron Maiden desde criança.

Dentre os diversos estilos musicais, o rock e suas várias ramificações, principalmente o heavy metal, se destacam por utilizar abordagens e personagens históricos em muitas letras de bandas desse gênero.

Segundo uma pesquisa feita por Ivison Poleto, do site Whiplash, observou-se normalmente a utilização de assuntos históricos pelas bandas, de três formas diferentes: I) citação de grandes heróis ou personagens, geralmente grandes chefes guerreiros, sendo feita uma pequena biografia do personagem homenageado; II) abordagens de eventos das grandes épocas que a História se divide, como a Idade Antiga, Média…; III) e as informações sobre povos da Antiguidade como fonte de inspiração para canções, álbuns e nomes das bandas.

Ainda segundo Ivison Poleto, “o tema escolhido pode ser muito conhecido ou quase desconhecido, mas tem que ter componentes de força, grandes feitos heroicos e poder”.

Após ler a matéria publicada pelo Whiplash, lembrei na hora de uma banda que é muito conhecida por utilizar em suas letras guerras que realmente aconteceram: o Sabaton. A banda foi formada em 1999 em Falun, na Suécia, e faz um power metal: subgênero do heavy metal que é marcado por ser bem enérgico, rápido e com forte influência de música clássica e ser altíssima qualidade.

[O grupo] possui nove álbuns de estúdio e suas letras abordam conflitos que vão desde a Batalha de Termópilas, em Sparta, passando pela Guerra dos Trinta Anos, em A Lifetime at War, até diversas sobre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial como Angels Calling, Ghost Division, Stalingrad.

De todas as músicas, duas me chamaram muita atenção: a primeira é Smoking Snakes cujo a letra homenageia os soldados brasileiros que combateram na Segunda Guerra Mundial, com direito a refrão em português: Cobras Fumantes, eterna é sua vitória; e a outra é Night Witches, e esse texto é sobre ela.

A música é uma homenagem as pouco faladas Bruxas da Noite (Night Witches). Aviadoras soviéticas do 588º Regimento de Bombardeio Aéreo Noturno Soviético, que defenderam sua pátria durante a Segunda Guerra Mundial, realizando ao todo mais de 30 mil voos noturnos em 1100 noites de ataques.

Desde o início do conflito em 1939, a coronel Marina Raskova, passou a receber centenas de cartas de diferentes partes da Rússia de mulheres que queriam ajudar de alguma forma o seu país, mesmo havendo um acordo de não-agressão com a Alemanha nazista.

Em 1941, com a URSS já envolvida na guerra, Stálin ordena que Raskova formasse um trio feminino para ocupar aviões de guerra. É o início do 588º, o único que permaneceu apenas com mulheres até o final da Guerra em 1945, de mecânicos até pilotos, todos, ou melhor, todas eram mulheres.

Das profundezas do inferno em silêncio
Lançam seus feitiços, violência explosiva
Aperfeiçoadas no voo noturno russo
Missão sem falhas, indetectáveis

[…]

Você não pode se esconder, você não pode se mover
Apenas aceite que os ataques foram provados
(Batedores no escuro)
Silencio a noite toda, as bruxas entram na batalha
(Nunca erram o alvo)

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), especificamente na URSS invadida pelos nazistas, podemos dizer que os alemães tinham um medo muito real de bruxas. Elas sempre atacavam durante a noite e com os motores desligados, com o intuito de não chamar a atenção, mas isso não era uma escolha delas.

As dificuldades eram enormes, começando ainda no chão pelos assédios de outros batalhões e de seus superiores, como relata a autora do livro Bruxas da Noite: A História não contada do Regimento Aéreo Feminino Russo durante a Segunda Guerra Mundial, Ritanna Armeni: “vocês são as mulheres mais bonitas do mundo — diz certo dia o comandante Vershinin —, e o fato de os alemães as chamarem de bruxas da noite as torna ainda mais preciosas”.

Ritanna Armeni busca reconstruir a história das Bruxas da Noite, pois segundo a autora, a sociedade nunca deveria ter apagado as memórias destas guerreiras. Além disso, a obra discute a estrutura machista e soberana da antiga União Soviética. Uma excelente leitura, vale a pena.

Um biplano Polikarpov Po-2, semelhante ao avião operado pelas Night Witches durante suas missões. (Fonte: Wikipédia)

Asas de lona da morte
Prepare-se para conhecer o seu destino
Regimento de bombardeiro noturno
Batalhão 588

[…]

Indetectáveis, inesperadas
Asas da glória, contam sua história
Aviação, divergência
Indetectáveis, discrição aperfeiçoada

Nos céus, mais dificuldades. As pilotas receberam uniformes masculino grandes demais. Algumas eram obrigadas a usar muitas roupas de baixo para dar volume e ocupar os macacões. As botas também eram um problema, pois não haviam números pequenos, então elas eram obrigadas a enfiar tecidos nos coturnos para evitar que escorregassem.

Seus aviões eram antigos, de madeira e lona e que nunca haviam sido utilizados para combate. Além de serem muito barulhentos durante a noite, as pilotas precisavam suportar temperaturas abaixo do zero e o sério risco de congelamento durante o duro inverno soviético.

Além disso, os aviões eram tão pequenos que carregavam apenas duas bombas por vez, portanto, as “Bruxas” tinham que realizar várias “viagens” por noite. Mas, devido os aviões serem tão antigos, era difícil – para não dizer impossível – de detectá-los no radar.

E quando elas se aproximavam do alvo, desligavam o ensurdecedor motor e faziam o seu trabalho. Muitas, devido à precariedade dos aviões, não conseguiam religá-los e realizavam ataques suicidas.

As Bruxas da Noite (Fonte: Wikipédia)

As “Bruxas” eram tão temidas e odiadas pelos nazistas que, qualquer aviador que derrubasse ou capturasse uma delas, recebia a prestigiada medalha da Cruz de Ferro:  uma alta condecoração militar alemã, criada no século XIX, concedida a quem demonstrasse honra ou bravura nas batalhas.

Inimigos estão perdendo terreno
Recuando pelo som
(A morte está no ar)
De repente, aparece
Confirmando todos os seus medos
(Ataque do covil das bruxas)

Alvo encontrado, vem ao redor
Som de armas do campo de batalha
(O eixo está mirando alto)
Rodina espera
Derrotem-nos nos portões
(Vivam para viver e voar)

Haviam 12 mandamentos seguidos pelo 588º. O primeiro e talvez o mais importante era: “tenha orgulho de ser mulher”. No fim da guerra, somavam-se aos seus 30 mil bombardeios, 23 mil toneladas de bombas lançadas nos nazistas, 30 baixas em combate e 23 pilotas receberam o título de Herói da União Soviética. Seu último voo ocorreu em 4 de maio de 1945 – quando as Bruxas da Noite voaram 60 quilômetros (aproximadamente 37 milhas) até Berlim. Três dias depois, a Alemanha se rendeu oficialmente.

As Bruxas da Noite não tinham os melhores aviões, não tinham bombas tão potentes, nem muito apoio à sua unidade, mas, mesmo assim, sem ser preciso usarem feitiçaria, se tornaram uma das forças de combate mais notáveis da Segunda Guerra Mundial.

REFERÊNCIAS

ARMENI, Ritanna. Bruxas da Noite: A História não Contada do Regimento Aéreo Feminino Russo Durante a Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Seoman, 2019.

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