Os finlandeses do Amorphis estão prestes a desembarcar no Brasil para duas apresentações – São Paulo (27/05) e Roça n’ Roll (28/05) – em divulgação de seu mais recente álbum de estúdio, o ótimo “Under the Red Cloud”. E foi para saber um pouco mais sobre o “UTRC”, a animação de se apresentar no Brasil, cena cultural finlandesa e o que os fãs podem esperar para o futuro da banda que o site, RockBizz, foi bater um papo com o simpático tecladista, Santeri Kallio. Então, caro leitor, sem mais delongas, por que a palavra é do Santeri Kallio.
Olá, é um grande prazer conversar com você. Amorphis está para desembarcar no Brasil para dois shows, quais são as expectativas?
Santeri Kallio: Nós sempre estamos animados e nos sentimos privilegiados por poder tocar no Brasil. E agora estamos muito felizes por estar de volta. Eu acho que é a terceira vez em São Paulo, e eu estou muito animado para ver o quão os fãs brasileiros curtiram o disco.
Nós vamos tocar, pela primeira vez, num festival em Varginha, o Roça n’ Roll. Eu já ouvi que os festivais brasileiros são maravilhosos, então, é muito legal ver e conhecer as coisas fora das nossas cidades. Nós realmente não sabemos o que esperar desses shows, mas tenho certeza que será muito divertido.
Vocês tocaram no Brasil algumas vezes, mas qual o sentimento de ter tocado aqui pela primeira vez em 2009? Vocês esperavam um ‘feedback’ tão positivo como foi?
Santeri: Sempre que vamos tocar em algum país, pela primeira vez, é muito difícil adivinhar a reação das pessoas quando você vai para o palco. A gente sabia que existiam muitos fãs brasileiros por conta do Facebook e mídias sociais, então, nós meio que sabíamos que teríamos alguns fãs. Eu me lembro de que nós tocamos com o Children of Bodom, certo? Eu acredito que nós ganhamos mais alguns fãs naquele dia.
Tem um ano desde que “Under the Red Cloud” foi lançado. Como tem sido a resposta ao disco até agora? E quais as fronteiras vocês puderam expandir com esse álbum?
Santeri: Todo mundo com quem conversei parece ter adorado o álbum e a resposta da mídia também tem sido positiva demais. Eu fico feliz de saber que as pessoas ainda procuram por boa música em meio a milhões de bandas e discos por aí. Eu o considero um disco muito forte.
Nós não tivemos nenhum grande problema em arquitetar esse disco. É claro que depois de “Circle” (2013), nós tivemos uma nova direção musical se comparado a “The Beginning of Times” (2011) ou “Skyforger” (2009), por exemplo. Então, foi uma situação bem animadora começar a compor o novo material.
Por outro lado, nós nunca planejamos a música que fazemos, ou seja, não existia restrição ou limitação no que podíamos fazer ou para onde poderíamos ir. Com “Under the Red Cloud”, nós tomamos direções mais pesadas em algumas canções e tivemos também algumas parcerias, inserindo alguns pequenos detalhes aqui e ali, e contamos com arranjos mais complexos do que antes.
Vocês sofreram algum tipo de dificuldade no estúdio para dar vida a “Under the Red Cloud”?
Santeri: Nossa música é, tecnicamente, muito simples, mas o produtor, Jens Bogren, não deu folga para nós no estúdio. Ele foi muito criterioso quanto à energia das músicas, tanto que o nosso baterista, Jan (Rachberger), tinha que melhorar sua performance a cada ‘take’. Jens ficava, em todos momentos, pegando no pé quanto a afinação do baixo e guitarra, as quais ficaram perfeitas quando ele colocou o material na fita. Eu meio que concordei com ele (risos).
Pessoalmente, eu acho que as sessões foram tranquilas e sem nenhum grande problema. E, pela primeira vez, nós tivemos uma fase de pré-produção com o produtor nos ajudando a dar a melhor estrutura para as músicas, o que nos ajudou demais a concentrar e praticar as canções de forma satisfatória.
Como você comentou, o disco “UTRC” foi produzido e mixado por Jens Bogren. Como foi trabalhar com um cara com tamanho ‘know-how’ e legado na produção de bandas de heavy metal? E o que ele pôde adicionar na música do Amorphis?
Santeri: Como eu te disse antes, ele foi muito criterioso com certas coisas. Musicalmente sábio. Eu acho que ele nos ajudou a achar as estruturas das músicas e, sem hesitação, nos encorajou sair da nossa zona de conforto. Ele também trouxe, em algumas músicas, uma grande quantidade do que nós chamamos de “vocal rosnado” e tempos mais acelerados em outras faixas.
Mas a principal coisa foi que ele entendeu de onde viemos e como a banda queria soar. Então, eu não poderia dizer que ele nos mudou totalmente, eu acredito que foi algo como nos forçar a dar 110% ao invés do já tradicional 85%. Ele também teve ótimas ideias ao convidar Chrigel (Eluveitie) para tocar flautas e Aleah Sandbridge para fazer os vocais femininos. Além disso, ele quis trabalhar com Jon Phipps, que é um arranjador profissional para a sessão de cordas, o que foi algo a qual nunca havíamos feito antes.
Como foi trabalhar com Aleah Stanbridge (Trees of Eternity) como convidada em “Under the Red Cloud”? E nós podemos considerar o álbum ainda mais especial, visto que foi um dos últimos trabalhos de Aleah antes de falecer?
Santeri: Na verdade, nós não estávamos presentes quando ela cantou em “White Night”. Jens estava trabalhando com ela na Suécia quando nós já havíamos voltado para Finlândia. Então, a gente não se conheceu nas sessões de “Under the Red Cloud”. Mas nós a conhecemos há alguns anos atrás quando tocamos com o “Swallow the Sun”.
É muito triste o que aconteceu com ela. Ás vezes, as pessoas se vão muito, muito, cedo, e isso é muito ruim. Nós ficamos em choque quando soubemos da notícia, e, claro, que agora nós nos sentimos muito privilegiados por saber que o que ela fez para nós foi uma de suas últimas performances.
Mas eu não gostaria de pensar em algo especial por que ela morreu. Nosso disco é ridiculamente pequeno se comparado a alguém deixar esse mundo para sempre. A gente ainda a louva pelo ótimo vocal que ela nos fez. É claro que a tristeza está no ar toda vez que “White Night” começa. Para mim há algo muito triste nessa música agora, mas, se eu pudesse escolher, ela (Aleah) estaria aqui com a gente curtindo.
Vocês cogitaram trazer mais alguém como convidado em “Under the Red Cloud”?
Santeri: Bem, nós tivemos umas ideias malucas, como sempre, mas Jens era o produtor e o tempo estava bem contado para nós. Então, decidimos, juntos, seguir pelo caminho que Jens considerava o melhor. Ele tem uma longa história com todos os três convidados que aparecem no disco. Então, a gente disse para ele: vamos nessa.
Os aspectos visuais tem sido importantes na nossa sociedade desde sempre. Entretanto, nós vemos na música uma grande conexão, principalmente no heavy metal, onde é atribuída uma grande importância. Como o Amorphis lida com essa questão? E como foi trabalhar com Valnoir Mortasone na capa do último álbum?
Santeri: A gente sempre tenta amarrar a arte da capa com a música e os temas das letras. Com Valnoir, nós começamos bem cedo, antes mesmo de termos a tradução das letras para o inglês. Basicamente, Tomi (Joutsen) estava conversando com ele sobre os principais temas que abordaríamos no álbum e dando à Valnoir algumas dicas, de modo que ele pudesse se concentrar no trabalho da capa.
Levou um tempo e surgiram algumas versões iniciais bem malucas, mas, de todo modo, nós estamos muito felizes pela arte maravilhosa que Valnoir nos entregou. Na capa, o principal elemento da história está presente; os quatro sábios, que se colocam opostos aos outros; o círculo do Sol e assim por adiante. Depois da capa, nós trabalhamos com Valnoir nos designs de algumas camisetas e posters, e estamos planejando algumas surpresas para o futuro.
Amorphis é uma banda que possui identidade, é fácil reconhecer suas músicas, mas é claro que vocês se reinventam em cada lançamento. Como adicionar novos elementos e manter a identidade intacta?
Santeri: A chave para essa questão é: nós não planejamos como nossa música deverá ser. Nós, literalmente, não decidimos qual tipo de música vamos fazer. O que vier de cada membro é o que vai ser, no entanto, é claro que há canções que não consideramos pertencer ao Amorphis, mas a maioria sim.
Eu acho que um ponto importante é que nós excursionamos muito e tentamos sentir as reações das pessoas em relação as nossas músicas e performances. Isso te ajuda a confiar no que você faz ou deixa de fazer no processo de composição.
Eu não consigo me recordar se já tivemos algum bloqueio criativo a ponto de nada surgir. Bem, talvez um pouco na época do Pasi Koskinen (“Tuonela”; “Am Universum” e “Far From the Sun”), no entanto, aquilo foi, basicamente, nossa culpa por que criamos, acidentalmente, muitas restrições para a música que estávamos fazendo. A gente não queria ser metal, ter vocais brutais, tampouco contar com influências orientais, etc.
Hoje em dia, a gente não pensa nesse tipo de merda, nós só compomos as músicas com a inspiração das turnês e da vida em geral. E, depois disso, arranjamos e tocamos as canções nos ensaios e, de repente, elas começam a soar como Amorphis, com muito ou pouco toque de ar fresco.
“The Beginning of Times” é um disco conceitual, incrível, a propósito, o qual traz o tema Kalevala (folclore finlandês). Vocês têm a intenção de explorar um pouco mais esse tópico? Ou trazer outro tema relacionado ao folclore finlandês?
Santeri: Com o disco “Circle”, nós decidimos deixar a saga do personagem Kalevala (“Eclipse”; “Silent Waters”; “Skyforger” e “TBOT”) e continuamos com o “Under the Red Cloud”. É muito difícil dizer agora se o próximo álbum será ou não sobre Kalevala. O tempo dirá. Tem a ver com a necessidade de frescor que precisamos para nós e nossa arte.
A gente não tem nada de novo em relação ás antigas histórias, e para dizer a verdade: nós não encontramos nada interessante além de Kalevala no folclore finlandês. Mas a busca continua! De alguma forma, depois de “TBOT”, nós sentimos a necessidade de encontrar novas direções para as letras, e não apenas fazer outra história do passado. Uma coisa que eu posso dizer é que não será sobre Kalevala, de novo. Já tem muitas músicas em “The Beginning of Times” sobre ele (risos).
Falando sobre Finlândia… Aqui no Brasil e nas Américas, como um todo, vemos a Finlândia como o melhor lugar do mundo para tocar heavy metal, sendo apoiado por uma cena muito boa e ativa. Como é a cena finlandesa na “vida real”? É melhor do que imaginamos? Pior?
Santeri: (rindo) É provavelmente ok, mas bem pior do que você possa imaginar. Com certeza, há uma cena muito boa, muitas bandas e muitos clubes e festivais de metal. A desvantagem de ter muitas bandas de metal é a dificuldade de estourar, a menos que você tenha algo muito especial em sua música.
Eu não sei te precisar como estão as coisas, hoje em dia, para as bandas novas, mas deve ser como em qualquer outro lugar para os iniciantes ou para bandas e músicos sem o apoio de uma gravadora grande, você tem que tocar de graça e torcer para que as pessoas apareçam em seus shows.
A parte boa é a quantidade de lugares para tocar e a desvantagem é que existem cem bandas da mais alta qualidade. Mas uma coisa é certa: é difícil pra caralho fazer disso um meio de sobrevivência, tanto que muitos músicos têm empregos regulares.
A parte boa também é que na Europa tudo é muito perto, então, você não precisa se concentrar em excursionar apenas na Finlândia, você pode embarcar em uma turnê com bandas maiores que excursionam por toda Europa. E a Finlândia é um país bem pequeno, com isso é fácil às pessoas fazerem contatos com outros músicos, de norte ao sul do país.
Em sua opinião onde o Amorphis se encaixa na cultura finlandesa?
Santeri: Bem, nós incluímos as influências de Kalevala desde o começo, e a banda estourou, mundialmente, há muito tempo atrás, então, a gente tem um pouco de respeito dentro da cena cultural. No entanto, nós somos uma banda de metal, com isso, a cena cultural fica nos observando como: “É apenas uma banda de metal” ou “Não é legal”. Mas eu acho que está tudo certo, e todos os grandes shows que fizemos como o “Opera Festival”, que aconteceu em um castelo medieval, foi uma grande conquista para nossa carreira ou, pelo menos, para os olhos das pessoas que curtem cultura. Nós participaremos também do “Helsinki Culture Festival”, no final do verão, o que é algo bem grande.
A cena cultural finlandesa é bem grande para música clássica, jazz e ópera, o que é bem comum em toda parte do mundo. Eles possuem um grande respeito e ganham uma grana preta do governo em apoio as suas artes.
Nós lançamos também uma biografia sobre a banda, que se chama: “Official biography of Amorphis”. É um material de muita qualidade, o que nos ajudou a manter o status que temos na Finlândia depois de mais de 25 anos de atividades.
Amorphis é um dos maiores e mais respeitados nomes do heavy metal mundial. O que falta para a banda conquistar em sua carreira?
Santeri: Amorphis-Vodka? (risos) Eu não sei. A gente já tocou em todos os lugares do mundo. Nós temos nosso molho de churrasco, cerveja e um livro sobre nossa carreira. Eu não sei bem o que está faltando. Eu só espero que as coisas se mantenham saudáveis e não tenhamos nenhum acidente ou nenhuma outra merda que possa acontecer na vida. Acho que um vinho do Amorphis seria bem legal, afinal, nós adoramos vinho.
O que o Amorphis está planejando para o futuro?
Santeri: Muitas turnês! “Under the Red Cloud” é um disco com músicas muito fortes, então, eu acho que vamos fazer muitos shows antes de considerarmos um novo álbum de estúdio.
Obrigado pelo seu tempo e entrevista. Esse é seu espaço para fazer suas considerações finais.
Santeri: Caralho, ‘metalheads’ brasileiros! Curtam muito seu maravilhoso país escutando nosso disco foda, “Under the Red Cloud”.